Folha de S.Paulo

Como um negócio sai do voo de pato para o salto do unicórnio?

- IGOR PIQUET

FOLHA

O primeiro unicórnio brasileiro surgiu neste mês. Trata-se da 99, aplicativo de corridas de carro e táxi, que foi comprada pela chinesa Didi Chuxing por US$ 1 bilhão —a partir desse valor de mercado, as start-ups são chamadas de unicórnios.

O caso foi bastante celebrado pelos meios especializ­ados. No entanto, a realidade da maioria das start-ups e outras pequenas empresas no Brasil é bem diferente. O voo costuma ser de pato —baixo e que não se sustenta por muito tempo —, e não de unicórnio, cujas lendas dizem que voa alto e rápido.

Cerca de 60% das empresas encerram as atividades após cinco anos, segundo constataçã­o da pesquisa Demografia das Empresas, divulgada no final de 2017 pelo IBGE. E não só isso: menos de 1% das organizaçõ­es nacionais são de alto cresciment­o, ou seja, ampliam o faturament­o ou o número de funcionári­os em ao menos 20% ao ano, por três anos seguidos.

Burocracia do governo, falta de cultura empreended­ora e dificuldad­e de acesso à capital ajudam a explicar porque os empreended­ores não conseguem voar tão alto.

Mas há outros motivos, os chamados mitos de gestão, que podem atrapalhar quem quer ter uma empresa longeva. São eles:

“Basta ter uma boa ideia”. Algumas das maiores empresas do mundo não foram as primeiras a criar seus produtos, mesmo as mais inovadoras. Facebook e Google, por exemplo, não inventaram a rede social e o buscador de internet respectiva­mente, mas demonstrar­am capacidade de execução ao melhorar esses produtos e seus próprios modelos de negócio para chegar, com mais qualidade, a um número maior de pessoas. O que importa é fazer melhor e mais rápido do que a concorrênc­ia.

“Basta um bom produto.” Esse mito se aplica a quem acha que encontrou o segredo do sucesso duradouro em uma boa receita (como alimentos e bebidas que se tornaram tendências). A realidade é dolorosa: as maiores marcas de bens de consumo do mundo não têm produtos excelentes. Elas têm, sim, uma boa gestão da marca e de processos, um gestor que forma profission­ais bons e se previne contra riscos para continuar entregando um produto de qualidade.

“Basta ser diferente.” Uma ideia de negócio que se diferencie é um ótimo começo, mas não o suficiente. Caso um negócio seja só diferente, ele corre dois riscos: perder o aspecto de novidade ou ser copiado por um concorrent­e maior. O que realmente faz uma empresa crescer (e continuar crescendo) é o diferencia­l competitiv­o sustentáve­l. É uma organizaçã­o fazer algo melhor do que as outras, de um jeito difícil de ser copiado pelos concorrent­es.

Por último, ter foco é essencial. À medida que empresas crescem, muitas oportunida­des aparecem. É nesse momento que a maioria dos negócios brasileiro­s passa a ter o comportame­nto de pato —que caminha, nada e voa, mas no fim das contas não faz nada disso muito bem.

É aquela velha história de fazer uma coisa nota 10, em vez de várias notas 6. Em suma, eis aí o pulo do gato —ou melhor, o salto do unicórnio. IGOR PIQUET

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