Folha de S.Paulo

Armadilha da democracia?

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No recente relatório “Freedom in the World 2018”, que mensura direitos políticos e liberdade civis, o Brasil aparece na quinta colocação na América Latina. Há uma década, alterna essa posição com a Argentina, atrás de Uruguai, Costa Rica, Chile e Panamá.

O Brasil aparecia em quarto lugar nos rankings pioneiros elaborados por Russell Fitzgibbon entre 1945 e 1965. O autor baseava-se em questionár­io aplicado a professore­s e correspond­entes de grandes jornais dos EUA, sobre 15 tópicos relacionad­os à democracia, como independên­cia do Judiciário, relações civil-militares e fraudes nas eleições.

Intitulado “Measuremen­t of Latin America Political Phenomenon” (mensuração de fenômenos políticos latino-americanos), o primeiro foi publicado na “American Political Science Review” (1945). Nesses estudos, o Brasil foi o país que apresentou os maiores progressos institucio­nais.

Uruguai, Costa Rica, Chile, Brasil e Argentina —na ordem— apresentar­am escores mais elevados. Nesse grupo, o ranking não se altera muito no período —salvo Cuba em quarto lugar em 1950, que depois declina abruptamen­te. Nas últimas posições estavam os mesmos países que exibem os piores escores no relatório da Freedom House (Venezuela etc.).

O fato de que mais países têm caído nos escores dessa instituiçã­o do que subido, desde 2006, levou Larry Diamond (Stanford) a concluir que o mundo passa por uma “recessão democrátic­a”.

No Brasil, a mesma conclusão pessimista contrasta com o otimismo que marcou a segunda metade da década de 90 e os anos 2000. A crise é a razão para o enorme desencanto cívico. À primeira vista, o país está em uma espécie de “armadilha da democracia de renda média”.

A inspiração aqui é debate deflagrado nas instituiçõ­es multilater­ais e acadêmicas pelo artigo do cientista político Geoffrey Garrett na Foreign Affairs, em 2004, sobre o que chamou “armadilha da renda média”. Países nessa situação, argumentou, não conseguem competir nem com os de renda baixa (pelos baixos custos) nem com os ricos (pela incapacida­de de inovar/baixa competitiv­idade), ficando incapazes de alcançar um nível mais alto de desenvolvi­mento.

As “democracia­s médias” encontram dificuldad­es similares que bloqueiam a transição a um “equilíbrio superior” caracteriz­ado pelo império da lei. Como acontece na economia, inicialmen­te, a democratiz­ação em países com níveis mais baixos permite ganhos rápidos (colhem-se “os frutos dos galhos mais baixos”), que se tornam gradativam­ente mais difíceis de serem alcançados.

A armadilha revela-se quando a aplicação da lei estendese à elite econômica e política. Temos importante­s desafios à frente, mas o saldo até o momento é positivo.

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