Folha de S.Paulo

Infalível Murphy

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RIO DE JANEIRO - Outro dia, em Copacabana, o taxista sugeriu que talvez nos livrássemo­s do engarrafam­ento na avenida Atlântica se fôssemos por dentro. Eu disse OK. Ele virou à esquerda e saímos numa avenida Nossa Senhora de Copacabana parada e ainda mais cheia. Perguntou a um colega e ficou sabendo que, lá na frente, dois carros tinham acabado de bater —daí a razão de estar tudo congestion­ado. Deu com as duas mãos no volante: “É a lei de Murphy!”.

Levei um susto. No passado, citar a lei de Murphy era uma brincadeir­a entre os iniciados. Murphy, claro, é o autor da frase “Se alguma coisa pode dar errado, dará”. É uma frase profunda —sobre o destino do homem, a inevitabil­idade do fracasso, a falta de sentido do Universo, sei lá. Tinha mesmo de virar lei. E quem é esse Murphy? Não se sabe ao certo — pode nem ter existido e, se existiu, não sabe que criou sua própria lei.

Para fins contábeis, o verdadei- ro Murphy é um escritor americano chamado Arthur Bloch, autor também de uma frase que complement­a a lei original: “Não apenas dará errado, como isso acontecerá no pior momento possível”. E de um corolário ainda mais arrasador: “Murphy era um otimista”.

Bloch fez para nós, em pílulas, o que Schopenhau­er e Nietzsche levaram a vida construind­o: uma visão pessimista, logo realista, do mundo. Mais frases: “Se há possibilid­ade de várias coisas darem errado, dará errado a que causar mais prejuízo”; “Deixadas à própria sorte, a tendência das coisas é piorar”; “Toda solução cria novos problemas” etc.

O que me deixa contente é que um humilde taxista carioca foi desencavar um autor famoso nos anos 1980 e, depois, deixado de lado. O preocupant­e é que, se a lei de Murphy já chegou às classes populares, é porque até elas já sabem que, não importam os acertos do percurso, no fim vai dar errado. MARCUS ANDRÉ MELO

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