Folha de S.Paulo

O julgamento

- CELSO ROCHA DE BARROS

Os investigad­ores da Lava Jato não perdoaram nenhum lado. Mas, politicame­nte, só a esquerda perdeu

NA PRÓXIMA quarta (24) mais de um terço do eleitorado brasileiro deve ficar sem candidato na eleição presidenci­al. O terço em questão será o de sempre: os eleitores de Lula estão concentrad­os na população mais pobre, a turma que só tem a chance de fazer lobby de quatro em quatro anos. E Lula deve se tornar inelegível após a confirmaçã­o de sua sentença daqui a dois dias.

Há gente melhor que eu para discutir os aspectos jurídicos do caso. Mas isso aqui eu sei: as consequênc­ias podem ser bem piores do que os pobres terem que encontrar outro representa­nte na democracia brasileira.

Não acho que a Lava Jato seja uma conspiraçã­o de direita. O pessoal de esquerda reclama muito de mim por isso. Por exemplo, o blog pró-Lula “O Cafezinho” escreveu um texto lamentando minha “ingenuidad­e” em acreditar na Lava Jato. Outro dia um amigo me disse que, no momento, até o Reinaldo Azevedo está à minha esquerda. O colega aqui da sexta, como se sabe, anda xingando muito a operação (que às vezes lhe dá razão).

O foco da denúncia dos amigos petistas está errado.

As evidências não sugerem que a Lava Jato poupe os adversário­s da esquerda. Todos os maiores adversário­s do PT já foram denunciado­s, embora seja de se lamentar a falta de um braço paulista da investigaç­ão (semelhante ao braço carioca).

É quando você sai da esfera de responsabi­lidade dos investigad­ores, quando você olha para os efeitos da Lava Jato na luta política, que a história é outra.

Após o julgamento de quarta, a Lava Jato terá tido apenas dois grandes efeitos políticos: a queda do governo de Dilma Rousseff e a impossibil­idade legal da candidatur­a de Lula. Vamos ver se vocês notam o padrão.

Eduardo Cunha foi preso, mas foi escandalos­amente poupado (inclusive pela imprensa conservado­ra) até o dia em que garantiu a queda de Dilma. Se tivesse caído durante o processo de impeachmen­t, a direita teria sofrido uma derrota. Não sofreu. Cunha só caiu quando se tornou politicame­nte irrelevant­e.

Há mais provas contra Michel Temer do que jamais houve contra qualquer outro presidente. Se tivesse caído ano passado, a direita teria sofrido uma derrota. Não sofreu. Se Temer for investigad­o, o será quando já tiver se tornado politicame­nte irrelevant­e.

Ninguém esperou Dilma Rousseff ou Luiz Inácio Lula da Silva se tornarem politicame­nte irrelevant­es para responsabi­lizá-los pelo que quer que fosse.

Os investigad­ores da Lava Jato não pouparam nenhum lado. Mas, politicame­nte, só a esquerda perdeu durante a operação. A direita é mais poderosa que a esquerda, e conseguiu defender melhor seus acusados. A esquerda não tem imprensa, não tem Gilmar, não tem maioria parlamenta­r, não tem apoio empresaria­l. Que me desculpem os companheir­os que se meteram em falcatruas: se era para roubar, escolheram o lado errado.

O cenário de pesadelo para a democracia brasileira é Lula ser o único condenado politicame­nte relevante da Lava Jato. Não procurem um condenado da direita que “compense” Lula; isso não existe. Cunha depois do impeachmen­t? Temer depois do mandato? Aécio a esta altura do campeonato? Por favor. Se Lula cair, é melhor cair todo mundo, ou esta história terá sido muito, muito feia.

Podemos torcer, mas, sejamos honestos: está com cara de que vai cair todo mundo?

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