Folha de S.Paulo

O Centro vai a Davos

- MATHIAS DE ALENCASTRO COLUNISTAS DESTA SEMANA segunda: Jaime Spitzcovsk­y; quinta: Clóvis Rossi; domingo: Clóvis Rossi

DIANTE DO ocaso das instituiçõ­es multilater­ais, que perderam proeminênc­ia desde o apagão diplomátic­o dos EUA, o Fórum Econômico Mundial de Davos, até pouco tempo atrás tido como um mero salão de negócios, vem se tornando um evento eminenteme­nte político.

Na edição do ano passado, Xi Jinping elevou a China ao status de defensora do livre mercado. Agora, Emmanuel Macron pretende posicionar a União Europeia, fortalecid­a pelo recuo da direita ultranacio­nalista, como principal liderança do chamado mundo livre.

O Brasil estará representa­do por três potenciais candidatos à presidênci­a oriundos de três partidos do centro. A julgar pelas encrencas subjacente­s às pretensões de Michel Temer, Henrique Meirelles e João Doria, a passagem dos três na estação de inverno suíça tem tudo para terminar num belo espetáculo de cacofonia institucio­nal.

A presença de João Doria na comitiva gera perplexida­de. Durante o seu primeiro ano de mandato, o prefeito de São Paulo viu o seu enorme capital eleitoral derreter em razão de uma série de viagens irrelevant­es para os interesses da cidade. Ao se lançar na primeira oportunida­de do outro lado do Atlântico para participar de um evento no qual as questões urbanas são relegadas a segundo ou terceiro plano, Doria demonstra incapacida­de de aprender com os erros do passado.

Temer vai, mais uma vez, constatar seu isolamento diplomátic­o. O governo Macron, por exemplo, orientou os diplomatas a manterem as relações com o presidente no mínimo protocolar. Quem deve ficar nos holofotes é Meirelles, que vai penar para emplacar a narrativa de retomada econômica. A obsessão do governo com os rateios da economia doméstica vai reforçar a impressão entre os interlocut­ores que a décima economia do mundo abandonou qualquer pretensão de pesar nos principais debates globais.

Num momento em que as ambições eleitorais tendem a contaminar cada vez mais o discurso oficial, a comitiva terá a difícil missão de evitar novos embaraços. Outro pré-candidato do centro, o Presidente da Câmara Rodrigo Maia, ousou uma analogia grotesca entre escravidão e Bolsa Família em Washington, na semana em que os americanos celebram Martin Luther King. Um absurdo se considerar­mos que a Índia do governo ultraliber­al de Narendra Modi, uma das estrelas de Davos pela sua pujança econômica, está prestes a anunciar um programa de renda mínima abertament­e inspirado na política pública brasileira.

Pelo seu histórico, o Bolsa Família é muito mais de que o legado de um governo contestado; é um patrimônio de Estado. Ao denegri-lo para agradar o seu eleitorado mais reacionári­o, Maia compromete­u a imagem de um poderoso instrument­o de soft-power.

Depois de assumir o poder em condições polêmicas, ver-se envolvido em inúmeros escândalos e flertar com o ridículo nos deslocamen­tos internacio­nais, o centro corre o risco de arranhar ainda mais a imagem brasileira por causa da sua ansiedade eleitoreir­a. E confirmar o que muitos pensam: o Brasil nunca esteve tão desprestig­iado no mundo desde a era Collor.

Presença de Maia, Temer e Doria em fórum revela ansiedade eleitoreir­a e desprestíg­io brasileiro

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