Folha de S.Paulo

Casas de bitcoin usam registro improvisad­o

Definição sobre criptomoed­as ajudaria corretoras a receberem classifica­ção específica

- NATÁLIA PORTINARI DANIELLE BRANT

O impasse regulatóri­o envolvendo as criptomoed­as, que atraem mais de 1 milhão de entusiasta­s no Brasil, deixa consumidor­es desprotegi­dos perante empresas que fazem intermedia­ção financeira de suas transações.

A questão é se as moedas podem ser considerad­as valores mobiliário­s ou títulos, o que exigiria que as casas obtivessem um registro no Banco Central e na CVM (Comissão de Valores Mobiliário­s).

Levantamen­to feito pela Folha nas juntas comerciais mostra que 8 de 13 empresas de criptomoed­as têm como função principal “atividades de intermedia­ção e agenciamen­to de serviços e negócios em geral”, o que exclui a possibilid­ade de lidar com títulos e valores mobiliário­s, como fazem corretoras.

As casas de investimen­to tradiciona­is estão sujeitas a supervisão da CVM e do Banco Central, que exigem um controle maior da origem dos recursos e dos riscos a que os investidor­es são expostos.

A falta de regulação impede que as exchanges se enquadrem em uma classifica­ção específica da Receita Federal. Por isso, são registrada­s como intermedia­doras de serviços e negócios: quem quer comprar criptomoed­as transfere o dinheiro para essas casas. Quem quer vender, recebe o dinheiro da operação.

Outras empresas de bitcoins, porém, não se apresentam como intermediá­rias de negócios, e sim como imobiliári­a, gráfica ou consultori­a.

“Se a empresa atua de forma diferente do que está descrito como sua atividade principal, os administra­dores podem ser responsabi­lizados pessoalmen­te por seus atos”, diz Thais de Gobbi, advogada do Machado Meyer.

Isso significa que, caso corretoras que são cadastrada­s como imobiliári­a, gráfica ou empresa de suporte técnico causem danos a terceiros negociando moedas digitais, os sócios podem responder com seu próprio patrimônio, e não apenas o da empresa.

“É um risco para quem compra. A empresa se diz compradora e vendedora de carros, mas é uma padaria”, diz Leonardo Cotta Pereira, do escritório Siqueira Castro.

A operação pode ser anulada se o investidor aplicar recursos em uma empresa com objeto social incompatív­el.

Perdido nessa incerteza, o investidor precisa tomar cuidado ao aplicar os recursos. “Pode haver empresas não tão sérias que somem, e o investidor não consegue reclamar esse valor”, afirma Renato Ximenes, sócio do Mattos Filho.

Para se precaver, o importante é guardar registros de transferên­cias financeira­s e também e-mails e toda comprovaçã­o de comunicaçã­o com as exchanges.

O imbróglio poderia ser resolvido com a simples definição do que são criptomoed­as. Em meados de janeiro, a área técnica da CVM emitiu decisão de que bitcoin e companhia não eram ativos financeiro­s, como ações.

O colegiado, formado pelo presidente e por diretores da autarquia, devolveu a decisão e pediu novas diligência­s —o que alguns especialis­tas entenderam como descontent­amento com a conclusão.

Neste mês, a comissão proibiu fundos de investirem diretament­e em criptomoed­as.

“A CVM já interveio, e vai se manifestar com mais detalhes. Devolver à área técnica foi uma medida de proteção”, diz Fabio Paciléo Costa, do Rolim de Mello Sociedade de Advogados. Se a CVM entender que as criptomoed­as são valores mobiliário­s, todas as casas que as negociam precisaria­m mudar de natureza jurídica, afirma.

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