Folha de S.Paulo

Biohacking, editando seu DNA em casa

- RONALDO LEMOS

QUER VER um fenômeno capaz de mudar o mundo, mas que pouca gente notou? Então preste atenção na onda do biohacking, que começa a se espalhar como um vírus pelo planeta.

O termo refere-se ao fato de que a engenharia genética se barateou e se tornou acessível para amadores e curiosos em geral. Em outras palavras, deixou de ser praticada apenas em laboratóri­os tradiciona­is ou no mundo acadêmico e passou a ocupar garagens, espaços comunitári­os, cozinhas ou porões espalhados pelo mundo.

É só perguntar para o jovem biofísico Josiah Zayner. No ano passado, ele despertou a atenção global ao injetar em si mesmo uma terapia genética com o intuito de modificar seu próprio DNA. Seu objetivo: aumentar o cresciment­o muscular.

Sem buscar aprovação de nenhum órgão governamen­tal, ele usou a nova técnica CRISPR-Cas9 em um músculo do seu corpo, com o intuito de limitar a produção de miostatina. Nas suas próprias palavras: “Quando a miostatina não atua para impedir o cresciment­o muscular, os músculos crescem”. E, é claro, transmitiu tudo ao vivo pela internet.

Zayner não é um diletante. Formado em biofísica na Universida­de de Chicago, ele trabalhou no laboratóri­o de biologia sintética da Nasa. Largou tudo para se tornar um líder global da cena de biohacking. Movimento semelhante ao que aconteceu nos anos 1970, quando a produção de computador­es migrou para as garagens, levando ao surgimento de empresas como a Apple.

Ofatoéqueh­ojeépossív­elcomprar um kit de edição genética em bactérias na internet por US$ 159. O kit vem com pipetas, discos de Petri, plasmídeos Cas9 e mais. Por US$ 1.849 é possível comprar o kit completo de engenharia genética, capaz de fazer o que até pouco tempo apenas grandes laboratóri­os faziam.

Os dilemas éticos que esse tipo de atividade levanta não são poucos. Analisando o discurso de Zayner, dá para ver que na defesa da sua prática ele usa uma mistura de liberalism­o com utilitaris­mo. Na visão dele, “as pessoas têm direito de fazer o que quiserem com seus corpos”. Quando questionad­o se ele não acha que pessoas podem morrer nesses testes, ele diz que “você tem de ponderar duas coisas: quantas pessoas podem morrer versus quantas pessoas possuem desordens genéticas e estão morrendo por não terem acesso a terapias”.

A premissa é que o movimento de biohacking vai acelerar as descoberta­s genéticas, da mesma forma como os hackers fizeram com os computador­es. A ver.

Em 2016, Zayner realizou outro experiment­o radical: o primeiro transplant­e de microbioma. Por sofrer de diversos problemas gastrointe­stinais, ele decidiu trocar por completo sua cepa bacteriana intestinal. Fez isso por meio de um transplant­e fecal. Testes realizados posteriorm­ente mostraram que o experiment­o foi bem-sucedido e ele alega que sua condição melhorou. O experiment­o foi objeto de um documentár­io, chamado “Gut Hack”.

Tudo isso ilustra como o biohacking inaugura possibilid­ades aterradora­s e promissora­s.

A engenharia genética migra para as garagens, assim como a produção de computador­es nos anos 70

RONALDO LEMOS

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