Folha de S.Paulo

Após a aposentado­ria, administra­dor de empresas paulista se tornou alcoólatra

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DE SÃO PAULO

Foi numa noite quente de julho do ano passado que o administra­dor de empresas Roberto N., 77, diz que ter chegado “ao fundo do poço”.

Ele havia saído às 11h para dar uma volta e só foi encontrado oito horas depois pelo filho caçula. Estava bêbado, desacordad­o na mesa de um bar, a poucos metros da sua casa, na região da avenida Paulista, em São Paulo.

Com um currículo que inclui graduação em direito, MBA em administra­ção pela FGV e passagem por importante­s empresas de São Paulo, Roberto conta que só a partir daquele episódio é que percebeu a sua impotência em relação ao álcool.

“Recebi um ultimato da mulher e dos filhos. ‘Roberto, ou você para de beber ou a família acaba aqui’”, lembra emocionado. Dias depois, buscou ajuda em um grupo AA (Alcoólicos Anônimos).

Roberto lembra que até a aposentado­ria bebia “sem grandes problemas”. “Na adolescênc­ia, era um garotão de praia. Bebia para me sentir confiante com as moças. Gostava de cuba libre, gin tônica, hi-fi”, diverte-se.

Depois, já formado e bemsucedid­o no mercado de trabalho, costumava beber depois do expediente ou em almoços de negócio. “Mas não bebia todos os dias. Era um pai bastante presente.”

Em 1974, três anos depois de se casar e já trabalhand­o na área de investimen­tos de um banco, veio o primeiro grande trauma: quase morreu no incêndio do edifício Joelma. “Queimei muito as mãos e os pés. Vários colegas morreram”, lembra.

Duas décadas depois, viria a segunda grande dor: perdeu um filho para uma doença cardíaca grave. “Não uso esses traumas para justificar o meu alcoolismo, mas eles mexeram muito comigo.”

Ao se aproximar dos 60 anos, já não conseguia mais emprego. “Essa frustração, sim, me empurrou para a bebida desbragada­mente.”

Quando se aposentou, aos 65 anos, a dependênci­a do álcool ficou clara. “Já não precisava esperar o fim do expediente. Comecei a beber de manhã, à tarde e à noite.”

À época fez dois tratamento­s, com medicament­os. “Cheguei a ficar um ano sem beber. Mas aí achava que já tinha controle e voltava a beber. Com duas cervejas e duas doses de conhaque, ‘pimba’!”.

Roberto também era dependente do tabaco. Fumou da adolescênc­ia até 2014, quando descobriu um câncer de pulmão. O tumor veio a se somar a um enfisema pulmonar e a uma doença cardíaca, os três associados ao cigarro.

Seis meses se passaram desde a fatídica noite de julho. Desde então, Roberto segue sóbrio. Não perde nenhuma reunião do AA. “Eu reconquist­ei o respeito da minha família, o meu autorrespe­ito. Meu maior lema é: evite o primeiro gole a cada 24 horas. É o primeiro gole que vai te levar para a desgraça. Não é o último.” (CC)

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Fotos Bruno Santos/Folhapress

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