Folha de S.Paulo

Bocuse foi marqueteir­o ao limite, mas do bem

Chef que se dedicou à cozinha clássica e popularizo­u a ‘nouvelle cuisine’ morreu no último dia 20, aos 91 anos

- JOSIMAR MELO

FOLHA

O chef francês Paul Bocuse, morto dia 20 aos 91 anos, merece ser lembrado não apenas como o grande cozinheiro que vem sendo louvado, mas também por outros aspectos que ficam fora da cozinha.

Ele foi um chef talentoso e habilidoso. Soube manejar com maestria a cozinha clássica. E surfou com desenvoltu­ra nas ondas da “nouvelle cuisine”, que estrelou com contemporâ­neos (Troisgros, Guérard, Chapel, Vergé, sem falar nos jornalista­s Gault e Millau, que batizaram e sistematiz­aram o caminho que os chefs trilhavam intuitivam­ente).

Mas Bocuse não parou na cozinha. A começar pelas famosas voltas que dava no salão do restaurant­e, entre os clientes. Depois de eras em que o cozinheiro era um operário anônimo na cozinha, as aparições estimulara­m o reconhecim­ento —e o enaltecime­nto— de uma profissão. MARKETING Veio daí o exagero posterior de fazer do cozinheiro um superstar, celebridad­e fútil, um objeto de desejo. Mas são bobagens que não devem ofuscar o fato de que merecem o reconhecim­ento por um trabalho tão árduo quanto criativo, antes quase ignorado.

Bocuse foi um marqueteir­o até exagerado. Montava quase maquinalme­nte a pose, braços cruzados, para as fotos, ficando imóvel como um boneco. Não hesitava em colocar seu nome em produtos industriai­s de qualquer tipo, de panelas a congelados.

Sem qualquer modéstia, inventou um prêmio para jovens chefs que, mesmo ainda em vida, levava seu próprio nome, o Bocuse d’Or, uma rara forma de auto-homenagem. Criou a sopa de trufas en croûte para o paspalho que ocupava a Presidênci­a da França (mas ok, o cara havia lhe dado uma medalha e tanto... e o nome da sopa leva apenas as iniciais de Giscard, VGE, e as pessoas de bem preferem chamá-la de soupe Élysée, referência ao palácio que pertence a toda a França).

Mais: tinha a cara de pau de mudar sem piscar conforme soprasse o vento. Quando lhe perguntei, numa conversa uns 20 anos atrás, o que achava dos caminhos caricatos que havia tomado a populariza­ção da nouvelle cuisine (“louças enormes, porções minúsculas, preços gigantesco­s”), disse que simplesmen­te não era algo que lhe dizia respeito, já que nunca tivera nada a ver com o movimento... segundo ele, sempre havia se mantido na cozinha clássica (mas antes, no auge, jamais renegou quem o tratava como o “pai da ‘nouvelle cuisine’”). GUIAS inflar seu ego, ganhar fama e fortuna? Provavelme­nte também sim (a começar porque era um ser humano). Mas o importante para a gastronomi­a é que Paul Bocuse foi não somente um marqueteir­o: foi o marqueteir­o do bem, que usou seu talento de cozinheiro para promover sua região, seus colegas, sua categoria profission­al, seu país. PANELINHA

 ?? 15.nov.1973/AFP ?? O cozinheiro Paul Bocuse (chapéu mais alto) e sua equipe rodeada por animais em restaurant­e em Lyon, França, em 1973
15.nov.1973/AFP O cozinheiro Paul Bocuse (chapéu mais alto) e sua equipe rodeada por animais em restaurant­e em Lyon, França, em 1973

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