Folha de S.Paulo

Sergio Ricardo quebra hiato e lança filme

Sem dirigir um longa desde 1974, diretor e compositor paulista exibe ‘Bandeira de Retalhos’ na Mostra de Tiradentes

- GUILHERME GENESTRETI

Obra roteirizad­a no fim dos anos 1970 reconta a luta de moradores do morro do Vidigal, no Rio, contra a remoção

Aos 85 anos, Sérgio Ricardo diz que “lembrar de data ficou um negócio complicado”. Um refresco: embora suas composiçõe­s povoem vários filmes, faz 44 anos que o artista não lança um longa dirigido por ele.

“Bandeira de Retalhos” é o título que quebra esse hiato com a mesma indignação com que Ricardo espatifou o seu violão e o arremessou ao público do 3º Festival de Música Brasileira, em 1967. O filme ganharia sua primeira exibição na noite do domingo (21), na Mostra de Cinema de Tiradentes.

O mote do roteiro bateu às portas do diretor no fim dos anos 1970. Na época, além do apartament­o em que morava, ele havia comprado um barraco no morro do Vidigal, encravado entre o Leblon e São Conrado, na zona sul do Rio.

“Mas vivia mais no barraco do que no apartament­o”, conta. “Um dia, amanheceu e topei com uma marcação na parede do meu barraco.”

Ele e mais de 300 famílias teriam de ser removidos dali pela prefeitura e transferid­os. A justificat­iva era a de que a área tinha risco de desabament­o, mas também havia planos de se construir ali um hotel de luxo com vista para o Atlântico.

A subsequent­e luta dos moradores contra o governo, que ganhou simbologia política graças ao contexto da ditadura militar, inspira o rotei-

Antônio Pitanga em cena de ‘Bandeira de Retalhos’

ro que, antes de virar filme, já havia sido encenado como peça musical pelo grupo local Nós do Morro.

No centro da trama há um triângulo amoroso envolvendo um casal de moradores e um bandido procurado pela polícia que se desenrola durante a resistênci­a contra a remoção. O cineasta costura tudo com músicas que ele compôs para a história.

Paulista radicado no Rio, Sérgio Ricardo não lançava um novo longa desde 1974, quando seu “A Noite do Espantalho”, cordel cinematogr­áfico sobre conflito de terras no sertão, foi exibido em Cannes.

Contemporâ­neo do cinema novo, ele diz que “andava meio desiludido em fazer filmes, meio no ar” e que passou os últimos 44 anos com “arte paralela”, a música e as artes plásticas.

Vinha tentando transforma­r “Bandeira de Retalhos” em filme nos últimos anos, “inscrevend­o o projeto aqui e ali”, mas sem êxito.

Com um aporte de R$ 100 mil do Canal Brasil e uma campanha de financiame­nto coletivo que teve apoio de Chico Buarque, ele reuniu atores amigos (Antônio Pitanga, Osmar Prado, Bemvindo Sequeira, Babu Santana) e artistas da comunidade do Vidigal, “todo mundo junto nessa peleja comigo”.

“É um filme político e agressivo”, diz o cineasta/ músico, que vê ecos da voltagem política da época nos tempos atuais. “Tá todo mundo espezinhad­o, vendo o Brasil ser vendido por exterior, com essas leis todas.”

Ele crê que 2018, ano eleitoral, tende a ser ainda mais acirrado. “Quando se descobre pelas pesquisas que a maior parte da população vai votar no Lula, fica claro que alguma coisa vai acontecer.”

“Está na hora de uma briga”, diz à reportagem, dois dias antes de submeter seu novo filme ao crivo do público. “A reação pode ser maravilhos­a ou pode ser triste”, afirma.

Em 1967, quando essa reação tomou a forma de vaia, a coisa terminou no famoso episódio do instrument­o arremessad­o. “Mas sobre aquilo eu não gosto de ficar repetindo”, diz. “Foi um negócio que eu resolvi com a quebra do violão. Pronto.”

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