É preciso mudar o que se entende como violência contra a mulher
FOLHA
Na década de 1990, a socióloga argentina Inés Hercovitch ouviu 85 mulheres em um estudo e chegou a uma conclusão: temos de mudar o que se entende por violência contra a mulher.
É preciso se despir, diz Inés, da ideia de que violação envolve necessariamente uma mulher bonita, um violador desconhecido, arma e luta corporal (é assim que a maioria dos países define legalmente a violência contra a mulher). O abuso pode ter outras formas.
Uma das entrevistadas no estudo relatou que fez sexo “consensual”, porém forçado, com um cara que a pressionara —até fisicamente.
Nos últimos dias, uma mulher, sob o nome fictício Grace, disse que foi abusada pelo ator e comediante Aziz Ansari. Ela contou que se sentiu pressionada a fazer sexo.
Não houve armas, ameaças e nem luta corporal. O cara era conhecido (e famoso). Ela poderia ter ido embora. É bem distante da imagem que temos de violação —mas não deixa de ser violência.
Grace não disse “sim”. Ela poderia estar em dúvida: “talvez” estivesse interessada em sexo. Pode ter mudado de ideia. Como define uma cartilha que li sobre como criar meninos, “não” é “não” e “talvez” também é “não”.
No debate que o caso gerou, houve quem falasse que Grace teria se colocado naquela situação. Ela escolheu ir ao apartamento do cara.
Dizer que uma mulher não deveria ter feito isso se não quisesse aquilo segue a lógica de achar que mulher que não quiser passada de mão não deve ir ao bloco de carnaval. A mulher é responsável pelo que faz, o homem, não. Cruel e equivocado.
Há mais homens como Aziz do que estranhos armados em becos —e é difícil aceitar isso.