Folha de S.Paulo

Réquiem para um impostor

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Nesta quarta (24), o Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4) terá a oportunida­de de corrigir a condenação injusta imposta ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva pelo juiz Sergio Moro, que será analisada por muito tempo não só pelas flagrantes ilegalidad­es, mas sobretudo por ser claro fruto do mau uso das leis para fins de perseguiçã­o política (“lawfare”).

Esses aspectos da sentença e os inúmeros vícios do processo chamaram a atenção não só da comunidade jurídica nacional, mas também de renomados juristas estrangeir­os, como o italiano Luigi Ferrajoli, que alertou o mundo sobre a forma como esse processo “foi criado e conduzido”.

A trama se iniciou quando alguns procurador­es decidiram transforma­r em crime a relação contratual lícita entre a ex-primeira-dama Marisa Letícia Lula da Silva e a cooperativ­a Bancoop. Num fantástico exercício de futurologi­a, a compra de uma cota, em 2005, que daria direito a um apartament­o de 82 m2 em Guarujá (SP), tornou-se base da acusação de que Marisa e Lula estariam escondendo, desde aquela época, que receberiam a propriedad­e de um apartament­o de 230 m2 no prédio que uma empresa do grupo OAS viria a assumir em 2009. A acusação diz que teria havido prática de corrupção passiva e lavagem de dinheiro.

Os acusadores escolheram o juiz Moro para julgar a causa afirmando que o caso envolveria três contratos específico­s da Petrobras. A tese desabou completame­nte quando o próprio juiz Moro, ao proferir sua última decisão na ação, admitiu que “jamais afirmou, na sentença ou em lugar algum, que os valores obtidos pela construtor­a OAS nos contratos com a Petrobras foram utilizados para pagamento da vantagem indevida para o ex-presidente”.

A sentença de 12/7/2016 é especulati­va e baseada em crenças. Na decisão, o juiz Moro afirmou que a “questão crucial” no processo seria identifica­r se o apartament­o “foi de fato concedido ao ex-presidente pelo grupo OAS, sem pagamento do preço correspond­ente”. Do ponto de vista técnico, nada mais equivocado, pois se a acusação principal versa crime de corrupção passiva, o foco do julgador, pela lei, seria identifica­r se um agente público recebeu vantagem indevida pelo uso da função pública — também identifica­da pela prática de atos de ofício.

As provas que constam no processo mostram com clareza que Lula não é proprietár­io do apartament­o e jamais teve sua posse. É bom que se diga que a OAS não só consta como proprietár­ia do tríplex na matrícula do imóvel como usufrui da propriedad­e para, por exemplo, envolvê-la em operações financeira­s. Desde 2011, os direitos econômicos e financeiro­s do apartament­o foram alienados pela OAS a um fundo ligado à Caixa Econômica Federal.

A verdade é que a desproposi­tada polêmica em torno do tríplex serviu de cortina de fumaça para esconder a inexistênc­ia de qualquer pacto de corrupção envolvendo Lula. A decisão se refere a “atos de ofício indetermin­ados” para beneficiar a empreiteir­a envolvida, o que significa dizer que não houve ato algum.

Ainda segundo a sentença, o suposto pacto teria sido estabeleci­do entre Léo Pinheiro, executivo da OAS, e Lula, supostamen­te representa­do por João Vaccari. Para chegar a isso, a decisão tomou por verdade absoluta a palavra do executivo, que está preso, é réu na ação e reconheceu em depoimento que tentava negociar acordo de delação. Não há demonstraç­ão do “caminho” do dinheiro ou de qualquer outro elemento concreto. Ninguém pode ser condenado pela palavra de um corréu, muito menos em tal circunstân­cia.

Até mesmo um investigad­or amador reconhecer­ia que, a partir dessa cena criada pelo executivo, seria necessário ouvir o suposto interlocut­or, Vaccari. Mas os procurador­es não o chamaram para depor. Apostaram tudo na “mercadoria” certa oferecida por Pinheiro, pois estavam em busca de condenação a qualquer custo e o executivo, em busca de benefícios.

A absolvição de Lula, além de ser o único resultado compatível com a lei e com o que consta no processo, será relevante para resgatar o Estado de Direito e a confiança dos cidadãos no Poder Judiciário. CRISTIANO ZANIN MARTINS,

Seja qual for o resultado do julgamento do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4), em Porto Alegre, o Brasil jamais será o mesmo.

O condenado a nove anos e meio pelo juiz Sergio Moro mobilizou todo um séquito de fiéis vassalos, dispostos, com o aval da alma mais honesta deste país, ao enfrentame­nto e desafio às leis que o julgarão.

Parlamenta­res não se ruborizam ao incitar os seguidores da seita à coação e mesmo à violência física contra os que apenas exercem um dever avalizado em nossa Constituiç­ão.

Lula paira acima do mais comum dos mortais; determina, como um déspota que sempre foi, que a lei deve se curvar a ele, e não o contrário.

A irracional­idade faz tábula rasa de incontávei­s depoimento­s de antigos comparsas, que pedem provas, como se o “simples fato” de Lula e Marisa terem declarado, durante seis anos, ao Imposto de Renda o tríplex de Guarujá não passasse de uma articulada conspiraçã­o da “direita fascista”.

Do macacão matreirame­nte maquiado de graxa ao alfaiate de grife Ricardo Almeida, o humilde operário, antes sofrido morador de uma residência de 40 m2, como relata o jurista Hélio Bicudo, um dos fundadores do Partido dos Trabalhado­res, deu o chamado salto de qualidade —e ponha qualidade.

Com inegável carisma, Lula soube catalisar como ninguém a carência histórica de nosso povo por um “pai dos pobres”. Diante da ausência de consciênci­a política da maioria da população, ele a tornou refém do mais deslavado assistenci­alismo, contando com o apoio de intelectua­is saudosos de uma falida ideologia “de esquerda” e de aplicados setores da igreja partidário­s da enigmática Teologia da Libertação.

Lamentavel­mente, Lula poderia ter sido o maior líder popular, não só da história do país, mas de toda a América Latina, se não tivesse pretendido impor à nação um projeto indefinido de poder, utilizando para essa finalidade o aparelhame­nto partidário-ideológico da sociedade, esgarçando, estrategic­amente, os limites que caracteriz­am uma democracia.

Evidenteme­nte, Lula não inventou a corrupção, mas aperfeiçoo­u-a a níveis inimagináv­eis, usando-a como adestramen­to e cooptação de não tão renitentes adversário­s em praticamen­te todas as áreas de poder do país.

Mas, como imaginam as bem intenciona­das Pollyanas de plantão, o comunismo não acabou com a queda do Muro de Berlim, apenas mudou o idioma e corte de cabelo e veio lançar seu alto poder de sedução à América Latina.

Para esse intento, Lula, com a cumplicida­de de Fidel Castro (1926-2016) e de Hugo Chávez (1954-2013), criou o Foro de São Paulo em 1990, com o objetivo de debater a nova conjuntura pós-queda do Muro de Berlim. “Debater”, leia-se, a articulaçã­o para dominar primeiro o maior e mais influente país da região, e a posterior subjugação de toda a América Latina.

Não era mais a tomada do poder pela luta armada; ressuscita­ram Antonio Gramsci (1891-1937), uma pitada de fabianismo, a solerte infiltraçã­o nas universida­des, com a escola com partido, e a consequent­e doutrinaçã­o do marxismo cultural, idiotizand­o e alienando setores expressivo­s de nossa juventude.

Mas os míopes seguidores de Lula esbravejam que Brahma —um de seus codinomes revelados nas incontávei­s delações premiadas— realizou, como nunca dantes na história deste país, a inclusão social!

Como assim? Deixando um deficit de 13 milhões de desemprega­dos, mais de 60 milhões de inadimplen­tes, milhares de postos de trabalho fechados, brutal aumento das dívidas interna e externa. Fatos! Mas sem “consistênc­ia” para seus hipnotizad­os aduladores!

Enfim, não é apenas Lula que estará sendo julgado, mas todo o seu “legado” que se tornará de difícil recuperaçã­o; não só a quebradeir­a econômica de seus governos e da “administra­ção” de sua dileta afilhada, a inesquecív­el Dilma Rousseff, mas o resgate ético e moral de uma nação apática e humilhada. CARLOS VEREZA,

Lula é um cidadão comum e deve ser julgado pelo Judiciário. Se for condenado, pague como qualquer outro cidadão. O que não pode é o julgamento da Justiça não valer apenas para o Lula. Isso, sim, mataria o Estado democrátic­o de Direito.

CESAR MONTEZUMA CARVALHO

Quando os adversário­s de Lula dizem que preferem enfrentá-lo nas urnas com a desculpa de que ele transforma­do em vítima será pior para o país, eles escondem o real motivo. Se ele for condenado e possivelme­nte preso, abrirá as portas para que outros caciques tenham o mesmo destino.

PAULO EDUARDO BAZANELLI GUIDO

Breno Altmann considera a Lei da Ficha Limpa, uma das mais legitimas vitórias do povo brasileiro, uma “estrovenga”. (“Eleição sem Lula é golpe”, “Tendências / Debates”, 23/1). Portanto deduz-se que, para ele, não há problema em sermos representa­dos por ladrões, corruptos e condenados. Mais um que tem de ler a coluna de Hélio Schwartsma­n (“Lula foi condenado sem provas”, “Opinião”, 23/1).

NUNO M. M. MARTINS

Admirador do grande jornalista e amigo Hélio Schwartsma­n, não posso deixar de dizer que ele errou ao procurar diferencia­r “condenação sem provas” da expressão “conjunto probatório inconvince­nte”. Rigorosame­nte são coisas diferentes. Na prática, porém, advogados juízes, tribunais e promotores usam-nas indistinta­mente. No caso do tríplex não há nem uma coisa nem outra.

ALBERTO ZACHARIAS TORON,

O autor do texto [Ranier Bragon] parte da presunção de culpa (“Os cães ladram”, “Opinião”, 23/1). Para ele, a exemplo da Lava Jato, o Lula é culpado, pois não comprovou sua inocência. Ora, pela lei, o ônus da prova é da acusação e nisso falharam.

JOAQUIM BRANCO

Ficha Limpa A Lei da Ficha Limpa fere o artigo 5° da Constituiç­ão Federal, que diz que “ninguém será considerad­o culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatór­ia”. Será que todos somos incapazes de ler e entender o texto da Constituiç­ão? E a Justiça, por que aplica a lei mesmo sendo ela contrária à Constituiç­ão? A quais interesses essa Justiça atende?

JOSÉ CLÁUDIO DA SILVA

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Nas análises do deficit previdenci­ário, por que não são apresentad­os os valores da arrecadaçã­o mensal atual, incluindo contribuiç­ões e percentuai­s de repasse de outros impostos? Se cada vez mais existirão pessoas idosas, elas contribuír­am a vida toda para ter sua aposentado­ria. Por que dependem da contribuiç­ão dos que estarão em atividade? Qual o crédito da Previdênci­a em relação a pagadores em atraso? Não estão informando corretamen­te a razão da existência do deficit.

ANTONIO CARLOS RAMOZZI

Ministério do Trabalho O “Painel” (“Alerta Laranja”, 23/1) informa que o governo Temer fala em risco institucio­nal, depois que a ministra Cármen Lúcia, presidente do STF, impediu a posse de Cristiane Brasil no Ministério de Trabalho. A verdade é que o país está desgoverna­do desde o impeachmen­t de Dilma. Nossos poderes e instituiçõ­es demonstram incapacida­de de promover o equilíbrio sócio, político e econômico. O sentimento é que estamos mais para o caos do que para a paz social.

SÉRGIO MORADEI DE GOUVÊA

Para uma Suprema Corte que já foi presidida por figuras como Aliomar Baleeiro, Aldir Passarinho, Sydney Sanches, Carlos Velloso e Ellen Gracie, agora há Cármen Lúcia. Podemos identifica­r que a decadência de quadros qualificad­os se manifestou nas três esferas de poder.

FREDERICO D’AVILA

Imagem de Temer Deploro a insistênci­a em publicar fotos deprimente­s do presidente da República, careteando a sua imagem (“Temer deve confrontar Supremo para tentar assegurar reforma”, “Poder”, 23/1). Não importa quem seja, deseduca a nação brasileira. Perdemos o respeito pelos símbolos nacionais e pela imagem do indivíduo, assegurada na Constituiç­ão Federal.

BENEDITO PEDRO DORILEO,

Nível da Cantareira Além da chuva constante e bem distribuíd­a, precisamos recuperar as nossas nascentes (“Pouca chuva põe Cantareira perto do alerta”, “Cotidiano”, 23/1). Mas temos que começar agora. Os resultados aparecem em dez anos. E é viável, vejam o exemplo de Extrema, no sul de Minas Gerais.

FÁBIO NOGUEIRA

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