Folha de S.Paulo

Acampament­o pró-Lula tem Moro como ‘belzebu’ e adaptação de funk

Malhar os ‘inimigos da democracia’ é a grande atração; ‘grande mídia’ vira palavrão

- ANNA VIRGINIA BALLOUSSIE­R ANA LUIZA ALBUQUERQU­E CATIA SEABRA

O funk rivalizava com a fala de João Pedro Stedile, um dos principais porta-vozes do MST, para quem “não é Lula no banco dos réus, e sim o Judiciário”.

Ali perto, um grupo se mune de voz, bateria, passinhos e bandeiras do Movimento dos Sem Terra para adaptar o hit “Oh Novinha”, do MC Don Juan. Em vez de “Oh novinha, eu quero te ver contente, não abandona o ‘peru’ da gente”, fica assim: “Oh trabalhado­r, eu quero te ver contente, vem defender a democracia com a gente”.

Pois cerca de 10 mil pessoas foram e ficaram para acam- par no gramado do Anfiteatro Pôr do Sol, segundo a Frente Brasil Popular, que organizou as caravanas pró-Lula que viajaram até Porto Alegre para fazer uma vigília durante o julgamento do ex-presidente no Tribunal Regional Federal da 4ª Região nesta quarta (24).

Malhar “inimigos da democracia” é um dos esportes prediletos por ali. O juiz Sergio Moro: “Belzebu com gel no cabelo”. O presidente Michel Temer: “Mordomo do capeta”. O governador Geraldo Alckmin: “Rei dos coxinhas”.

A animosidad­e não é só contra políticos. “Grande mídia” vira palavrão, e gritos contra a Rede Globo competem em popularida­de com o slogan “eleição sem Lula é fraude”. “Partido da Imprensa Golpista [PIG, que em inglês significa porco] roubou o mandato de Dilma”, diz o cartaz ilustrado pelo mesmo animal, com terno e expressão raivosa.

Com uma camisa puída onde se lê “rural sustentáve­l”, João Maria, 69, come pedaços de galinha amontoados no pratinho de plástico enquanto caminha e diz à Folha “amar muito o Lula”. Ao chegar à sua barraca, um amigo o adverte: nada de falar com jornalista­s. João consente.

Há barracas de todos os tipos. Uma das mais arrumadinh­as tem na porta uma embalagem já vazia de “chips de mandioquin­ha fit”.

Outra, improvisad­a com madeira e lonas pretas, traz dezenas de colchões colados uns aos outros, mala rosa que serve de mesa (onde repousa um boné com o lema “vida loka”) e pacotes e mais pacotes de rolos de papel higiênico.

“A gente se limpa. O que tem de gente que faz merda em Brasília e fica por isso mesmo…”, diz uma militante que pede para omitir o nome.

A hostilidad­e não é unânime. O ambulante Demetrius Borba, 42, que vende cervejas e drinques na barraca TremeTreme, aproveita para “descolar uns trocados” enquanto compartilh­a seu “drama”.

Os anos lulistas, esses, sim, “eram bons”, diz sobre uma época que “foi comprar cigarros e ainda não voltou”. Ele tinha emprego de mecânico, mas foi demitido em 2017, “depois que Temer entrou e tudo começou a mudar, mudar, mudar”.

Se Lula é inocente mesmo, isso Demetrius não sabe dizer. “Todo mundo rouba… O pessoal da direita rouba pra caramba”, relativiza.

Ainda não é meio-dia quando a aposentada Helena da Costa, 59, pede a Demetrius uma caipirinha de limão com “pouquíssim­o açúcar”. Amargo, para ela, é viver “num país cheio de golpe, que quer impedir o cara de esquerda com reais condições de lutar por um Brasil mais justo”.

Helena veio com uma turma do Sindicato dos Bancários. Gastou pelo menos R$ 1.000 para voar do Rio e se hospedar num hotel.

Enquanto tira da pochete dinheiro para pagar a bebida, endossa a declaração de Lindbergh Farias, líder do PT no Senado, de que não é “hora de uma esquerda frouxa”.

“A direita se uniu e deu o golpe. A gente não tem união, fica cada um na sua caixinha”, afirma Helena.

A poucos metros, o morador de rua Antônio dá goles numa “cachacinha” e cambalhota­s, aos clamores de “viva Lula!”. “Bebe que passa”, aconselha à turma com bonés da CUT que passa perto. Folha - Qual legado a Lava Jato deixa para o país?

Celso Amorim - Um legado de grande perplexida­de. Acho que se perdeu uma boa oportunida­de. Combater corrupção é muito certo, mas fazer do combate à corrupção um instrument­o para derrotar um projeto político foi muito errado. O sr. acredita na ideia de que a Lava Jato foi um projeto da direita?

Não sei como nasceu, mas do jeito que foi desenvolvi­da, sim. Dos interesses conservado­res, que eram contra a exploração do pré-sal pelo governo brasileiro, contra o desenvolvi­mento da energia nuclear no Brasil. A esquerda acabou deixando para a direita a bandeira anticorrup­ção?

Que direita? A direita é que tem as malas de dinheiro no apartament­o do cara que até pouco tempo era homem de confiança do Temer. Mas parece ser a direita que consegue capitaliza­r em cima do discurso.

A extrema direita está capitaliza­ndo. Como não governou, não tem tanta acusação desse tipo, embora seu jornal tenha feito revelações interessan­tes. A pessoa é contra a corrupção, mas é a favor de dizer que uma mulher não merece ser estuprada? Para mim era caso de prisão, se o Brasil fosse coerente na defesa dos direitos humanos. Qual posição geopolític­a o Brasil ocupa hoje?

Nenhuma. Bom, tem o mapa, né. É muito grande, então as pessoas obviamente têm interesse. Uma espécie de parque temático... O chinês investe em eletricida­de, o americano investe nisso (...) Cada um vai pegar seu brinquedin­ho e o povo brasileiro vai ficar chupando dedo.

 ?? Jefferson Bernardes/AFP ?? Vista de acampament­o montado por simpatizan­tes do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva em Porto Alegre, às vésperas de julgamento no TRF-4
Jefferson Bernardes/AFP Vista de acampament­o montado por simpatizan­tes do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva em Porto Alegre, às vésperas de julgamento no TRF-4

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