Folha de S.Paulo

O 24 de janeiro de Lula

- ELIO GASPARI

SÓ QUANDO o dia terminar é que se saberá o resultado do julgamento de Lula no TRF-4. 3x0? 2x1? Passarão alguns meses para que se chegue ao desfecho de todos os recursos que a lei permite e aí fica embutida outra pergunta: o retrato de Lula estará na urna eletrônica no dia 7 de outubro?

Hoje fecha-se um ciclo da vida política brasileira, o da ideia de um partido de trabalhado­res, que resultou na criação do PT. Fecha-se um ciclo e começa outro, pois nem Lula nem o PT acabarão.

Exatamente no dia 24 de janeiro de 1979, no colégio Salesiano da cidade paulista de Lins, um congresso de metalúrgic­os aprovou uma tese “chamando todos os trabalhado­res brasileiro­s a se unificarem na construção de seu partido, o Partido dos Trabalhado­res”.

Criou-se uma comissão para cuidar do assunto e nela estava Jacó Bittar, do sindicato dos petroleiro­s de Paulínia.

Lula, a estrela desse renascimen­to do sindicalis­mo, explicou a essência da iniciativa: “Pouca gente está mais preparada que a classe trabalhado­ra para assumir uma responsabi­lidade política deste nível. Não podemos ficar esperando a democracia das elites. Os trabalhado­res não devem confundir o Partido dos Trabalhado­res com o PTB, MDB ou Arena.” (A Arena era o partido do regime agonizante, virou PDS, PFL e, mais tarde, DEM.)

No poder, o Partido dos Trabalhado­res foi o partido de alguns trabalhado­res. A primeira proposta do Congresso de Lins era a “total desvincula­ção dos órgãos sindicais do aparelho estatal, ponto fundamenta­l para o desenvolvi­mento da vida sindical”. O imposto sindical, que sustenta cartórios de patrões e empregados, foi preservado nos 14 anos de poder petista. Extinguiu-o a reforma trabalhist­a de Michel Temer.

Do grupo de Lins, Jacó Bittar, o “Turcão”, elegeu-se prefeito de Campinas em 1988 e dois anos depois deixou o PT. Foi condenado em duas instâncias por atos de improbidad­e administra­tiva.

Depois da vitória petista de 2002, Lula colocou Bittar no conselho do fundo de pensão da Petrobras. Dois anos depois, ele ganhou uma “Bolsa Ditadura” de R$ 7.000 mensais por conta de sua demissão da Petrobras. Seus dois filhos, Fernando e Kalil, associaram-se a Fábio Luís Lula da Silva, o Lulinha, em empresas de entretenim­ento e tecnologia digital mimadas com contratos de operadoras de telefonia. Nelas, Lulinha teve um rendimento de R$ 5,2 milhões entre 2004 e 2014,

Fernando Bittar é um dos donos da propriedad­e onde está o sítio Santa Bárbara, em Atibaia. Lá, a Odebrecht gastou R$ 700 mil em obras, e a OAS pagou a cozinha.

Nos armários de uma das quatro suítes da casa havia roupas com as iniciais de Lula. Isso e mais uma agenda com seu nome achada numa sala.

Veículos a serviço de Lula estiveram no sítio 270 vezes. Entre 2012 e 2016 sete servidores que trabalham com ele receberam 1.090 diárias por terem ido a Atibaia. Cerca de 50 e-mails de funcionári­os do sítio e do Instituto Lula relacionam o ex-presidente com a propriedad­e. Num deles, cuidava-se de identifica­r o bicho que comera os marrecos do lago. Teria sido uma jaguatiric­a.

Lula assegura que a propriedad­e não é dele. Esse sítio nada tem a ver com o apartament­o de Guarujá que, segundo Lula, também não é dele. O processo de Atibaia ainda está com o juiz Sergio Moro.

Há dois anos ladrões entraram no sítio, levando vinhos e charutos. Foram presos dois suspeitos, mas a queixa foi retirada.

No julgamento estarão um homem, suas metamorfos­es e um ciclo que começou no dia de hoje, há 39 anos

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil