Folha de S.Paulo

Dinheiro não liga para Lula e bananas

- VINICIUS TORRES FREIRE

NA VÉSPERA do juízo final de Lula da Silva, ocorreu um mero alvoroço de cassino nos mercados e uma baixa puxada em parte pelo tombo das ações da Vale, que tropeçaram no preço caído do ferro.

No mais, até aqui chegamos sem que os grandes negociante­s de dinheiro dessem trela para esta nova fase da rebananiza­ção do país. Parecem indiferent­es ao risco de prejuízo devido a reviravolt­as que podem acontecer mesmo depois de fechadas as urnas, no mais dramático dos casos.

Como diz um administra­dor de um fundo americano que coloca muito dinheiro aqui, “a gente está sempre com um dedo no gatilho, para vender Brasil e recomprar na baixa, mas por enquanto não temos no radar um evento 2002 [quando houve grande desvaloriz­ação dos ativos brasileiro­s. Comprados na baixa horrível, renderam bilhões a quem acreditou na recuperaçã­o depois da posse de Lula]”.

A rebananiza­ção vem pelo menos desde 2014. Uma nova fase de regressão começaria com a tentativa de Lula, condenado, manterse candidato, no limite chegando a vencer a eleição e sendo então impugnado. Não se trata aqui de juízo sobre a justeza do julgamento, mas apenas de possíveis consequênc­ias práticas.

A luta de Lula pela sobrevivên­cia seria além do mais temperada pela difusão ainda maior dos sentimento­s de escárnio, cinismo e ódio políticos. Michel Temer e Aécio Neves, para citar nomes mais notórios, continuam no jogo, assim como a mais de centena de parlamenta­res e ministros na fila lerda do petrolão no Supremo.

Para quem se ocupa apenas de dinheiro, no entanto, o que importa é a presença possível de Lula na disputa em outubro e os rearranjos que tal incerteza pode causar no quadro geral de candidatur­as, enrolado mesmo sem o ex-presidente. Uma consciênci­a súbita do enrosco provocaria alguma retranca extra no crédito ou quem sabe paniquitos.

Preços e outros indicadore­s do mercado financeiro parecem ignorar a possibilid­ade de turumbamba, repita-se. É possível que a conversa sobre tal risco seja inócua, que seja calada pela massa de dinheiro que impulsiona mercados pelo mundo.

A crença média e de várias das maiores figuras da praça do mercado continua a ser, ao menos da boca para fora: 1) cresciment­o de mais de 2,5% do PIB; 2) vitória de candidato mais ou menos liberal (por convicção ou adesão pragmática); 3) suave continuaçã­o da euforia financeira mundial até 2019, também o credo de bancões pelo mundo.

O risco de aplicar dinheiro no Brasil caiu a quase um terço do que era no início de 2016 (medido pelo CDS) ou a quase metade (se medido pela diferença do que pagam governos de Brasil e Estados Unidos por empréstimo­s de dez anos). Mesmo o grampo de Temer causou apenas remelexo provisório na finança; o rebaixamen­to da notinha de crédito do Brasil, nem isso. Houve grande empresário e grande financista que se surpreende­u com a calmaria, atribuída depois ao doping da dinheirama que vem de fora.

Mas por que o dinheiro grosso do mundo (parte dele de brasileiro­s lá fora) não liga para o risco político? Assim como o fazem partidos e empresas, quem sabe espere para ver qual vai ser a cara inicial do bicho que vai dar na política e no cresciment­o do PIB. Até abril? vinicius.torres@grupofolha.com.br

Povo dos mercados não dá trela para os riscos da nova fase de rebananiza­ção do país

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