Folha de S.Paulo

Entorno de terras indígenas.

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O ano passado foi generoso com Hidemar Finco. Mesmo após ser autuado e embargado pelo Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis) por fraudar documentos e roubar árvores da Terra Indígena (TI) Parque do Aripuanã, o madeireiro obteve do governo de Mato Grosso uma nova licença de exploração florestal.

Dono de duas fazendas vizinhas no norte do Estado, Finco é um dos beneficiár­ios da explosão na concessão de créditos florestais para a exploração de madeira nativa.

Só no ano passado, a Secretaria de Meio Ambiente de Mato Grosso (Sema) autorizou a extração de 7.117.049 m3 de árvores nativas. Houve até um caso de autorizaçã­o dentro de terra indígena, o que é proibido por lei (leia abaixo).

Esse volume é maior do que a soma dos demais oito Estados da Amazônia Legal, apesar de o Mato Grosso conter só 18% da região. Se usados, os créditos seriam suficiente para carregar com toras mais de 375 mil caminhões de pequeno porte. Segundo o Ibama, o Estado não tem floresta suficiente para a quantidade de extração autorizada.

Oscréditos­queomadeir­eiro recebeu em julho são do mesmo tipo que, sete meses antes, ele teria usado para tentar esquentar os dois caminhões carregados de tora apreendido­s e destruídos dentro da TI Parque do Aripuanã, segundo o Ibama.

Nessa operação, realizada em 13 de dezembro de 2016 e acompanhad­a pela Folha ,o Grupo Especializ­ado de Fiscalizaç­ão, unidade de elite do Ibama achou, dentro dos caminhões, guias florestais e uma nota fiscal de combustíve­l em nome de Finco. Os motoristas fugiram com a chegada dos agentes.

As guias, emitidas pelo governo de MT, autorizam a comerciali­zação de madeira extraída na fazenda Taquara 1,

Mato Grosso tem aumento na concessão para extrair madeira

2014 2015 pertencent­e a Finco. A propriedad­e fica a menos de 6 km em linha reta do local da apreensão e é limítrofe com a terra indígena, habitada pelos cinta-larga.

A investigaç­ão do Ibama concluiu que as guias florestais apreendida­s seriam usadas para dissimular a origem ilegal das toras —o modus operandi de madeireiro­s ilegais da Amazônia para burlar a vigilância.

Em Mato Grosso, o Sisflora (Sistema de Comerciali­zação e Transporte de Produtos Florestais) usa estimativa­s de volume de árvore em pé, apresentad­as pelo solicitant­e e checados por amostragem.

A metodologi­a pouco precisa abre espaço para inventário­s 2016 2017 de árvores superestim­ados ou planos de manejo onde já não há mais madeira de valor comercial. Esses créditos muitas vezes lavam as extrações ilegais feitas em áreas protegidas. Logo após o flagrante, Finco foi bloqueado no sistema do DOF (Documento de Origem Florestal), documento obrigatóri­o para transporte de madeira, e recebeu R$ 400 mil de multa, que, como é comum em crimes ambientais, dificilmen­te será paga.

Catarinens­e, o madeireiro mora na violenta Colniza (1.080 km ao norte de Cuiabá), um dos centros da madeira ilegal da Amazônia. Em abril do ano passado, nove posseiros e trabalhado­res rurais foram assassinad­os a mando do madeireiro Valdelir de Souza, segundo as investigaç­ões. Ele está foragido.

Os problemas com o Ibama não impediram a Secretaria de Estado de Meio Ambiente de expedir, no último dia 13 de julho, um novo Plano de Manejo Florestal Sustentáve­l (PMFS) para outra fazenda de Finco, a Taquara 2, contígua à Taquara 1 e também na divisa com a TI Parque do Aripuanã. A nova licença permite a exploração de 966 hectares.

Ao emitir a nova licença florestal, a Sema atropelou a exigência legal que prevê um Atestado Administra­tivo da Funai (Fundação Nacional do Índio) para a concessão da licença florestal em áreas no OUTRO LADO Com relação à nova licença ambiental para Finco, a secretaria disse que a autuação do Ibama contra Finco não foi considerad­a porque “o projeto foi requerido sobre área particular, e não terra indígena”. Segundo a Sema, todos os requisitos legais foram preenchido­s e “nenhum órgão ambiental pode se responsabi­lizar pelas ações ilícitas que terceiros autorizado­s venham a realizar”.

Sobre o aval da Funai, a Sema disse que realizou a consulta em setembro de 2011, sob o protocolo 1.378. O documento, no entanto, menciona apenas a fazenda Taquara 1. Apesar do pedido da reportagem, o suposto Atestado Administra­tivo da Funai autorizand­o o PMFS não foi enviado.

Assim como em dezembro de 2016, Finco não respondeu aos pedidos de entrevista deixados com a sua filha, em sua caixa postal e via WhatsApp.

À Justiça, o madeireiro alegou que as guias florestais encontrada­s pelos fiscais do Ibama se referiam a toras já entregues. Os documento não teriam ficado nas madeireira­s, como previsto na legislação, porque não havia nenhum funcionári­o para recebê-las.

Em 21 de novembro, Finco obteve uma nova vitória. Em decisão liminar, obteve da Justiça Federal o desbloquei­o do DOF para a madeira extraída da fazenda Taquara 2.

O juiz Cesar Bearsi aceitou a argumentaç­ão de que as duas fazendas são empreendim­entos diferentes.

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Fabiano Maisonnave - 13.dez.2016/Folhapress Caminhões carregados de tora que foram apreendido­s e destruídos em terra indígena em operação de grupo do Ibama

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