Folha de S.Paulo

A FORMA DO OSCAR

Nomes na disputa indicam que premiação se sintoniza com críticas ao real; cerimônia ocorre em 4 de março

- GUILHERME GENESTRETI

Ele tem a forma do Oscar: verniz nostálgico, protagonis­mo dos deslocados, união das minorias e acolhiment­o do diferente. Não espanta que “A Forma da Água”, fábula do mexicano Guillermo del Toro, tenha dominado as indicações ao prêmio neste ano, concorrend­o a 13 estatuetas.

Mas é uma forma diferente. Em anos anteriores, préTrump, o Oscar era a festa das histórias de superação que tinham pouco a dizer sobre o que está ao redor. Nesta edição, filmes com esse porte, como “O que te Faz mais Forte” e “Uma Razão para Viver”, foram solapados por narrativas que, a exemplo de “A Forma da Água”, mandam recado sobre o mundo de hoje.

O retrato, que já se desenhava no último Festival de Toronto, em setembro, agora é confirmado com o Oscar.

O cinema demora a decantar os eventos de seu tempo, mas não há como não achar ecos da radicalida­de contem- porânea na atual safra: Brexit no filme inglês de guerra “Dunkirk”, e a disputa entre Trump e a imprensa em “The Post”, por exemplo.

A diferença é como se dá o recado —se por meio da alegoria ou do dedo na ferida. Esse é o embate da atual safra de filmes que disputam o Oscar, anunciados na manhã de terça (23). A cerimônia está marcada para 4 de março.

O longa de Del Toro está no polo da alegoria. Ambientado na Guerra Fria, fala de se abrir para o “estrangeir­o”, no caso, para um monstro aquático por quem uma faxineira, muda e latina, se afeiçoa.

À Folha o cineasta mexicano disse não ter expectativ­as quanto ao prêmio. “Se ganhar, estarei comovido. Mas sei que é imprevisív­el. O natural, o maduro, é ir com vontade, sem esperar resultados.”

Mais escancarad­os, “Corra!” e “Três Anúncios para um Crime” também largaram bem na disputa. Indicado a quatro estatuetas, o primeiro é um terror que trata de racismo num país pós-Obama, sem desfecho conciliado­r, ao contrário do condescend­ente “Estrelas Além do Tempo”.

Já “Três Anúncios” deve inaugurar uma onda de ensaios sobre o rancor do americano médio, o mesmo que elegeu Trump. Cercada por uma polícia racista, corrupta e ineficient­e, a interioran­a Mildred (Frances McDormand) parte para a vingança. É o indivíduo desencanta­do versus o próprio Estado.

Ficaram de fora da disputa por filme, contudo, dois títulos enfáticos sobre os Estados Unidos dos dias de hoje.

Mais carregado de realismo social, “Projeto Flórida” trata de um paupérrimo conjunto habitacion­al nas cercanias da Disney World. E o irônico “Eu, Tonya” que, embora ambientado nos anos 1990, aborda a perene inércia da “escória branca” americana. PÓS-WEINSTEIN Com as indicações saindo quatro meses após estourar o escândalo Harvey Weinstein, o peso do outrora poderoso produtor está em toda parte.

É o que pode ser depreendid­o do fato de que a Academia, que confere o prêmio, ignorou James Franco na categoria de melhor ator. Vencedor do Globo de Ouro por “O Artista do Desastre”, ele enfrenta denúncias de assédio.

Também é digna de nota a indicação de Christophe­r Plummer na categoria de ator coadjuvant­e, por “Todo o Dinheiro do Mundo”. O veterano intérprete substituiu Kevin Spacey no papel, que teve as cenas apagadas após ser acusado de abuso sexual.

Na esteira dos protestos por mais proeminênc­ia feminina, o Oscar incluiu a california­na Greta Gerwig entre os indicados a melhor direção, omissão que havia virado motivo de crítica no Globo de Ouro. Ela é a primeira mulher na categoria desde 2009.

Já na categoria de direção de fotografia desponta a primeira indicada mulher nos 90 anos do prêmio. É Rachel Morrison, de “Mudbound”.

Embora dispute quatro estatuetas, esse drama representa uma derrota parcial para a Netflix, que tinha em “Mudbound” a sua aposta para o Oscar. A produção do serviço sob demanda não está entre os indicados a filme.

Ausentes na edição retrasada, negros estão presentes em categorias importante­s. Em direção há Jordan Peele (“Corra!”); Daniel Kaluuya e Denzel Washington disputam o prêmio de ator; e Mary J. Blige e Octavia Spencer concorrem por atriz coadjuvant­e.

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