‘Altered Carbon’ expõe fadiga com sci-fi
PODIA SER um excelente filme, pois a trama de “Altered Carbon” é de fato intrigante, com questões pertinentes sobre a obsessão humana por longevidade e um protagonista carismático. Como série de dez episódios que variam entre 40 e 60 minutos, porém, a produção que a Netflix estreou há uma semana não passa de um pastiche modorrento.
O thriller sobre o soldado convertido em investigador particular ressurreto Takeshi Kovacs nasceu sob a forma de livro, em 2003, escrito pelo britânico Richard Morgan.
Trata-se de um premiado romance policial sci-fi descendente direto do universo de Philip K. Dick (“Androides Sonham com Ovelhas Elétricas?”, que virou “Blade Runner”) e William Gibson (“Neuromancer”), aqui editado pela Bertrand Brasil.
O título literal, “Carbono Alterado”, evoca a mudança contínua de corpo pelas quais os seres humanos poderão passar no século 25 uma vez que seu organismo de turno morra. A consciência é preservada e armazenada em pastilhas e, depois, inserida em um novo corpo, chamado na obra de “capa”.
Como a tecnologia não dá conta de mudar tudo, apenas os mais ricos conseguem patrocinar por mais de uma ou duas vezes essa constante reencarnação com vidas que valem a pena continuar sendo vividas (os católicos, na expectativa pelo paraíso, também rejeitam a busca por um novo corpo, na obra).
Kovacs é um soldado de elite das Nações Unidas, aparentemente de origem japonesa (embora etnia e origem sejam conceitos difusos na obra), interpretado pelo ascendente Joel Kinnaman (o Holder de “The Killing” e também o “Robocop”).
Após sua última morte, Kovacs reencarna no corpo de um policial caucasiano na região de San Francisco, EUA, graças ao patrocínio de um milionário excêntrico interessado em investigar a própria morte, Laurens Bancroft (James Purefoy, o Marco Antônio de “Roma”, que ainda não aprendeu a atuar).
Não é o melhor papel de Kinnaman, ator competente cujo porte logo o alçou a galã (saudades de Holder). Mas ele tampouco chega a comprometer o personagem.
O problema em “Altered Carbon” é mais de roteiro e direção do que de concepção ou atuação.
Uma trama que já é complexa, suscitando até alguns minutos de questionamento filosófico, foi recheada com repetitivas sequências de luta e carnificina em geral que deixam de funcionar após os primeiros 60 minutos. O sexo na série tem função semelhante, usado em demasia para ocupar episódios, não para fazer a trama andar.
Aguardada com ansiedade pelos fãs do livro, “Altered Carbon” tem mostrado bom desempenho nas avaliações do público, embora a crítica a tenha recebido com decepção.
O cansaço com a produção resulta também de uma certa fadiga com o gênero e o excesso de futurismo soturno no ar —como se a vida real não estivesse caótica e sinistra o suficiente. De “Black Mirror” e “Westworld” à brasileira “3%”, as distopias futuristas lotaram as grades de canais e plataformas de vídeo.
Thriller da Netflix inspirado no livro de Richard Morgan ofusca trama cativante com cenas de ação redundantes
Para piorar, a transmutação de “Altered Carbon” de livro em série não mostra o vigor das demais.
Ainda que a trama guarde alguma graça, as cenas são previsíveis. O roteiro é preguiçoso. Em um mundo onde não há sobrevida, melhor usar essas dez horas em outra coisa. “Altered Carbon”