Brasil ‘toma nota’ de crítica israelense à influência do Irã
Envolvimento iraniano no Oriente Médio e na América do Sul preocupa, diz presidente Rivlin a chanceler brasileiro, citando Hizbullah e Hamas
FOLHA
O presidente de Israel, Reuven Rivlin, fez nesta terça-feira (27) uma dura carga contra o Irã, na audiência que concedeu ao chanceler brasileiro, Aloysio Nunes Ferreira Filho, em visita oficial ao país, a primeira de um chanceler desde que Celso Amorim acompanhara o então presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em 2010.
Rivlin reiterou a preocupação de Israel com o envolvimento do Irã na região e os esforços para desestabilizála. Citou especificamente o apoio que Teerã dá aos grupos Hizbullah, no Líbano, e Hamas, na faixa de Gaza, ambos empenhados em destruir Israel.
Segundo o comunicado da Presidência israelense, Rivlin afirmou que esses grupos respaldam o fundamentalismo e o terrorismo em todo o mundo, “inclusive na América do Sul”. É uma óbvia alusão ao fato de que Israel (e os EUA) suspeita que a grande comunidade libanesa instalada nas Três Fronteiras (Brasil/Argentina/Paraguai) tem ligações fortes com o Hizbullah (“Partido de Deus”, xiita).
Sempre que cobrados a respeito, sucessivos governos brasileiros têm dito que não há provas concretas desses vínculos. Há, sim, remessas dos libaneses residentes na área ao Líbano, mas não há maneira de comprovar se caem ou não nas mãos do Hizbullah.
O chanceler brasileiro limitou-se a dizer que tomara nota das preocupações israelenses, uma clássica forma diplomática para dizer que está ouvindo a outra parte, mas, neste caso específico, o Brasil tem outras prioridades.
O comunicado oficial israelense informa que o chanceler disse ao presidente: “Entendo os desafios para a segurança de Israel —mesmo além dos problemas geopolíticos e do fundamentalismo. Vejo este [o fundamentalismo] crescendo e é um desafio também para nós”.
Na versão que a Folha obteve com a delegação brasileira, Aloysio disse que a política iraniana é dinâmica e que esperava que prevalecessem as correntes moderadas.
É a segunda vez, na segunda visita de alta autoridade brasileira a Israel, que o governo local expressa sua preocupação com o Irã e com as relações Brasil/Irã. Há oito anos, quando Lula esteve no Knesset (o Parlamento israelense), ouviu um coro de vozes israelenses, representando todo o arco político-institucional, para que aderisse ao que o primeiro-ministro, Binyamin Netanyahu, chamou de “frente internacional que se está formando contra o armamentismo do Irã”.
Rivlin, à época presidente do Knesset, pediu que Lula não legitimasse “as intenções assassinas” dos governantes iranianos. Era uma alusão à visita que Lula faria pouco depois ao Irã. Até a então líder da oposição, Tzipi Livni, cobrou: “O Brasil não pode permitir-se dar legitimidade indireta ao Irã”.
No discurso no Parlamento, Lula não mencionou o Irã, mas, na conversa reservada com Netanyahu, defendeu o diálogo, em vez de sanções.
Oito anos depois, mesmo com um governo de signo ideológico oposto, a posição é idêntica: o Brasil faz negócios com o Irã e se queixa amargamente dos entraves impostos por sequelas das sanções norte-americanas, embora elas tenham sido suspensas na esteira de um acordo das grandes potências sobre o programa nuclear iraniano.
Bancos americanos se recusam a financiar exportações para o Irã, o que obriga a buscar empresas de segunda linha, a um custo maior.
No encontro de Aloysio com Netanyahu, a conversa se centrou em cooperação especialmente na área de ciência e tecnologia. O premiê israelense se gabou de que seu país —celeiro de tecnologia de ponta— é capaz de saber quanta água necessita cada planta, graças a seu avançado sistema de irrigação.
Na quinta-feira (1º), Aloysio estará com as autoridades palestinas. A questão não foi tratada com Netanyahu, mas Rivlin deu um recado claro: “Eles [os palestinos] têm de entender que nós retornamos à nossa terra”. O Brasil, historicamente, aceita que os judeus retornem à terra, mas defende que os palestinos também tenham direito à sua.