MULHER DE NÚMEROS
Liedi Bernucci, 59, é a representante feminina, em 124 anos, a assumir a diretoria da Escola Politécnica da USP, uma das faculdades de engenharia mais do país
Ao chegar à sala de aula da Escola Politécnica da USP, em 1977, a estudante Liedi Bernucci, então com 19 anos, ouviu de um professor: “Mulher não deveria entrar na engenharia, porque o que elas querem é casar e acabam roubando a vaga de um homem”.
É verdade que Liedi se casou, tempos depois, e também “roubou a vaga” de um homem, por assim dizer: tornouse a primeira mulher a assumir a diretoria da Poli, uma das principais escolas de engenharia do país, após 124 anos de chefia masculina.
O episódio em sala de aula poderia ter feito a estudante desistir, mas Liedi seguiu o conselho da mãe: “A melhor resposta é seguir em frente”.
Com 59 anos, ela foi eleita nesta quarta-feira (7) para o cargo máximo administrativo da Poli, uma instituição com 452 docentes e mais de 8.000 estudantes.
Apesar das “ofensas costumeiras”, como ela descreve o machismo na universidade, Liedi não duvidava da sua capacidade. Era boa aluna, com notas altas, e isso bastava.
“Sou engenheira e objetiva, acredito nos números. Eles falam. Se na comparação eu estava melhor, não tinha como falar que eu era burra.”
Os números, que ela sabe de cabeça, pontuam as suas falas. Em 1977, quando entrou na Poli, menos de 5% dos alunos da graduação eram mulheres. Hoje elas correspondem a 20%. “Sei que parece pouco, mas não é. Passou de 5% para 20%. Tenho muito orgulho desse número”, afirma.
Qual seria o percentual ideal? Liedi não sabe. “As pessoas me perguntam se deveria ser metade mulher ou mais. Eu não tenho a resposta. O importante é que as pessoas façam o que têm vontade. O dia em que elas tiverem liberdade para escolher a carreira e exercer seu talento, a gente chegou no equilíbrio”, diz. PIADINHAS
Liedi nasceu em casa, na zona rural de Jarinu (interior de SP), e estudou sempre em escolas públicas. Grandes obras, como estradas, barragens e edifícios, fascinavam a menina. Filha de um padeiro e de uma dona de casa, Liedi costumava brincar com “carrinho e posto de gasolina”. Não ligava para bonecas.
A engenheira diz que não gostava muito da escola na infância —ela aprendeu a estudar com a irmã, que fez matemática na USP, no vestibular.
“Meu pai não tinha condições de pagar uma faculdade privada, então, se eu quisesse fazer engenharia, tinha duas opções: ou entrava na Poli ou entrava na Poli”, conta.
Aprovada, Liedi ingressou na Poli e nunca mais saiu. Durante o mestrado, concluído em 1987, desenvolveu parte da sua pesquisa em uma universidade na Suíça. Lá conheceu seu marido, um físico suíço-alemão, e teve o primeiro dos seus dois filhos.
Ao retornar ao Brasil, tornou-se professora da Poli, em 1986. Fez o doutorado, com uma temporada na Suíça, e se instalou definitivamente no Brasil com a família.
“A vida era conturbada, com dois filhos pequenos, mais trabalho e estudo. Era raro mulher com filho pequeno trabalhar naquela época. Mas, olhando para trás, isso me fortaleceu. Eu tinha que organizar o meu tempo, me dividir em mil tarefas, e achar que ia dar certo. Me fez ser otimista.”
Liedi se especializou em pavimentação e construção de estradas, aeroportos e ferrovias. Além da atuação acadêmica, trabalha como consultora em projetos.
Em 1986, foi a primeira professora na engenharia de transportes, entre 27 homens. Em 2004, ela se tornou chefe do departamento e, em 2014, a primeira mulher a ocupar a vice-diretoria.