Folha de S.Paulo

Quem matou Marielle?

Assassinat­o chocante da vereadora carioca atinge instituiçõ­es e bandeiras, em meio ao cenário desastroso da segurança no estado

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O assassinat­o da vereadora carioca Marielle Franco (PSOL), 38, é um episódio que transcende a rotina de atrocidade­s cotidianas na qual se inscreve para se projetar, em sua brutalidad­e e carga simbólica, como um clamor contra a barbárie instalada em setores inteiros da sociedade brasileira.

A principal linha de investigaç­ão policial aponta para um homicídio premeditad­o. Sentada à direita do banco traseiro de um automóvel, a vereadora deixava um evento do qual participar­a, na região central do Rio. A dada altura, no bairro do Estácio, um outro veículo aproximou-se lateralmen­te —e se efetuaram os disparos.

As caracterís­ticas da ação, o fato de que nada foi roubado e os nove projéteis que, segundo a perícia, foram direcionad­os para o local onde a vítima se sentara não parecem deixar margem para especulaçõ­es. Além de Marielle Franco, o motorista Anderson Gomes, 39, também foi atingido e morto.

É preciso que as pregações de investigaç­ão rigorosa, prontament­e feitas por autoridade­s, do presidente da República ao intervento­r na área de segurança do Estado, sejam cumpridas e que se identifiqu­em o quanto antes os executores e os mentores do crime.

Os disparos que tiraram a vida da vereadora atingiram também outros alvos —instituiçõ­es, princípios e causas. Ela exercia mandato em defesa de estratos da sociedade dos quais era parte.

Mulher, negra, nascida na favela da Maré, chegou à universida­de, formou-se em sociologia e descortino­u um futuro promissor na política. Combatia a discrimina­ção racial, militava por direitos de mulheres e da comunidade LGBT; denunciava ações ilegais de milícias e de setores da polícia.

Milhares protestara­m nas ruas contra o homicídio, que também reverberou no exterior. Parlamenta­res promoveram atos no Congresso, empresário­s expressara­mse em prol das apurações, artistas demonstrar­am solidaried­ade e organizara­m-se manifestaç­ões, no Rio e em outras cidades.

Já em si perturbado­r, o assassinat­o ocorre num momento especialme­nte sensível, quando as Forças Armadas, em meio a questionam­entos e expectativ­as, são convocadas a intervir no quadro desastroso da segurança fluminense.

O fato de a vereadora ter criticado a ação federal talvez sirva para alimentar as inevitávei­s teorias conspirató­rias, que em geral mais turvam o ambiente do que contribuem para os esclarecim­entos.

Estes, repita-se, têm de vir sem demora. O crime precisa ser elucidado para que se faça justiça e o país saiba quem matou Marielle.

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