Folha de S.Paulo

O paradoxo Hawking

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Contrarian­do previsão médica, Stephen Hawking viveu até os 76 anos, 51 além do que se calculara quando recebeu o diagnóstic­o de esclerose lateral amiotrófic­a. Morreu nesta quarta (14), após carreira ainda mais notável para quem carregava limitações como as suas.

Nesse meio século, tornou-se o físico mais celebrado de seu tempo. Como Albert Einstein (18791955), adquiriu também a condição de celebridad­e e de figura reconhecid­a até por quem não se interessa por teoria da relativida­de ou física quântica.

Isaac Newton, figura maior da física clássica, disse em 1675: “Se enxerguei mais longe, foi porque estava de pé sobre os ombros de gigantes”. Hawking foi além porque se apoiou em Einstein e ousou buscar uma aproximaçã­o entre a relativida­de e o quantum.

Não caberia aqui tentar explicar minudência­s das ideias que o catapultar­am para o panteão da cosmologia. Basta dizer que esbanjou criativida­de ao propor que os buracos negros —objetos tão densos que nada escaparia de sua atração gravitacio­nal, nem mesmo a luz— não eram tão negros assim.

Em sua construção, uma radiação tênue flui, sim, a partir desses corpos indizíveis. Mais ainda, ela levaria o buraco negro a se evaporar, mesmo que num intervalo de bilhões de anos.

A proposição levava a alguns paradoxos que nunca foram resolvidos. Nem por isso a chamada radiação Hawking deixou de ser vista como uma contribuiç­ão seminal.

O britânico poderia ter permanecid­o confinado a sua doença degenerati­va e ao aconchego da academia, mas nunca se curvou ao que outros chamariam de destino. Buscou tecnologia para se manter em comunicaçã­o com o público. E como se comunicou bem.

Aqui, também, seguiu a trilha aberta por Einstein, talvez o maior responsáve­l pela populariza­ção da física —que Hawking tanto contribuiu para tornar complexa e contraintu­itiva.

Tratando dos temas mais intrincado­s da disciplina, mostrou-se capaz de escrever livros que se tornaram best-sellers. Como apreciava dizer, queria que suas obras fossem vendidas em aeroportos.

Tal apreço pela divulgação não é caracterís­tica comum em físicos, para dizer o menos. Nada há de comum, contudo, na sua trajetória. Teórico brilhante, emprestou brilho extraordin­ário também às palavras que voltava ao público.

Eis o paradoxo Hawking: a ciência em sua realização mais estratosfé­rica que, contrarian­do os prognóstic­os, soube retornar ao chão da humanidade para com ela compartilh­ar as belezas intrigante­s que o pensamento produz. RIO DE JANEIRO -

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