Folha de S.Paulo

O viés elástico

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Uma amiga minha estava diante de uma juíza prestes a decidir um duro conflito envolvendo sua filha e seu genro. Parecia não haver dúvida sobre quem era o vilão da história. Mas, para surpresa geral, a juíza decidiu a favor dele —do vilão. Minha amiga não pôde conter uma exclamação, tipo “Oh!” ou “Ah!”, de espanto e decepção. A juíza a ouviu. Vendo naquele “Ah!” ou “Oh!” uma afronta ao Judiciário, a juíza acusou-a de desacato e mandou prendê-la ali mesmo. Minha amiga passou a noite na cadeia. Seu ex-genro saiu rindo.

Mas isso foi no tempo em que decisões judiciais não se discutiam —cumpriam-se. Hoje, qualquer veredicto de um juiz ou colegiado leva uma chuva de ataques assim que é proclamado. Se o resultado não agrada a uma das partes, duvidase em voz alta da idoneidade do juiz, de sua boa fé e até de sua honestidad­e. Os juízes, agora, fingem não ouvir. Seus ofensores —vários vergados sob processos que recomendar­iam um mínimo de prudência —continuam assobiando no azul.

Julgamento­s só são considerad­os isentos se favorecere­m certo ponto de vista. Mas que ponto de vista é este que só enxerga um viés maldoso quando o desfavorec­ido é Lula —e, pela omissão, parece achar perfeita a situação de Sérgio Cabral, Eduardo Cunha, Paulo Maluf, Marcelo Odebrecht, Léo Pinheiro e outros presos e/ou condenados?

E onde foi parar a solidaried­ade para com velhos camaradas como José Dirceu, Antonio Palocci, Delúbio Soares, João Vaccari, João Santana, José Carlos Bumlai, Henrique Pizzolato, Nestor Cerveró? E será que virarão as costas a Delfim Netto, que tantos bons serviços lhes prestou?

Mas esse viés é mais elástico do que se pensa, e a prova disso pode acontecer em breve. Desmoraliz­ando uma famosa palavra de ordem, desponta uma nova e inevitável aliança: Lula e Temer. CLAUDIA COSTIN

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