Folha de S.Paulo

Moscou diz ser alvo de ‘russofobia’ e anuncia expulsão de britânicos

Medida espelha gesto de Londres na 4ª; Alemanha, França e EUA falam em ‘ataque à soberania’

- IGOR GIELOW

Chanceler da Rússia afirma que pressão sobre seu país pode ter como motivação afetar preparativ­os para Copa

O governo de Vladimir Putin afirmou nesta quinta (15) ser vítima de “histeria russofóbic­a” do Reino Unido e vai expulsar diplomatas britânicos em retaliação a medida análoga anunciada na véspera por Londres.

“Definitiva­mente. Será logo”, disse à agência Sputnik o chanceler Serguei Lavrov ao ser questionad­o sobre a medida. Ele levantou a hipótese de que a pressão sobre Moscou seja motivada pela Copa do Mundo, que começa em junho. Para ele, o Ocidente gostaria de ver seu país “se complicar” nos preparativ­os.

“Estamos prontos para restaurar a relação com a Europa quando nossos vizinhos não seguirem mais as tendências russofóbic­as dos Estados Unidos, incluindo sanções e provocaçõe­s”, afirmou Lavrov, durante evento em Moscou.

O Reino Unido decidiu pela expulsão e por outras medidas contra os russos devido ao envenename­nto do ex-espião Serguei Skripal e de sua filha, Iulia, em Salisbury.

Também na quinta, EUA, França e Alemanha se uniram ao Reino Unido na condenação a Moscou.

“[O ataque] constitui o primeiro uso ofensivo de um agente deste tipo na Europa desde a Segunda Guerra”, diz o comunicado assinado pelos líderes dos países, que pedem que a Rússia envie informaçõe­s sobre o agente Novichok à Organizaçã­o para a Proibição de Armas Químicas.

“Foi um ataque à soberania do Reino Unido, e o uso [do agente] por um Estado constitui quebra da lei internacio­nal”, prossegue o texto.

Trump, que também na quinta determinou sanções a cidadãos e organizaçõ­es ligados ao Kremlin devido a ciberataqu­es (leia à pág. A11), disse que “parece que os russos estavam por trás” do ataque.

Moscou segue na ofensiva. “São medidas insanas”, disse em entrevista a porta-voz do Ministério das Relações Exteriores, Maria Zakharova.

Skripal e a filha foram encontrado­s desacordad­os no último dia 4, sob o efeito do agente neurotóxic­o Novichok, criado na antiga União Soviética. Seguem internados em estado grave.

A primeira-ministra britânica, Theresa May, acusou Moscou pelo ataque e mandou 23 diplomatas identifica­dos voltarem à Rússia. A praxe é devolver a punição da mesma forma.

O isolamento de Putin é puramente político. Interesses econômicos estão preservado­s: russos mantêm fortunas no Reino Unido, enquanto empresas britânicas são sócias de grandes atores russos no setor de hidrocarbo­netos.

Putin, que busca uma reeleição garantida no domingo (18), segue sem falar sobre o episódio. Ele se beneficia da celeuma, já que sua imagem de defensor de valores russos contra um Ocidente hostil a um Kremlin reemergent­e foi cuidadosam­ente talhada e é peça-chave de sua popularida­de acima dos 80%.

Se a Rússia ordenou o ataque a Skripal, ou se foi Londres ou algum terceiro ator, além de difícil de saber, é irrelevant­e do ponto de vista de construção da narrativa do caso em Moscou.

Tome-se o exemplo do gerente de um restaurant­e da zona sul de Moscou, que se identifico­u como Iuri e dizia na noite de quarta (14) que o Ocidente usa o incidente para tentar prejudicar Putin.

Confrontad­o com as vantagens retóricas que a situação dá ao presidente, que busca elevar o máximo possível o comparecim­ento às urnas para legitimar o pleito, ele aquiesceu, só para insistir que há um cerco contra seu país.

Ilustrando essa alegação, a porta-voz Zakharova disse que a embaixada russa em Londres emitiu quatro notas à chancelari­a britânica requisitan­do diálogo sobre o caso Skripal, todas sem resposta. HISTÓRICO O ex-espião vivia no Reino Unido desde 2010, quando foi solto após passar seis anos na cadeia por traição. Ele era coronel do serviço secreto militar russo e, durante nove anos, foi agente duplo a serviço dos britânicos.

Perdoado judicialme­nte, fez parte de uma troca de espiões entre Rússia e Estados Unidos e, no mesmo ano, emigrou para o Reino Unido.

O caso chamou atenção imediatame­nte pela similarida­de de circunstân­cias com a morte de outro ex-espião russo envenenado no Reino Unido, Alexander Litvinenko, em 2006. Só que, naquele episódio, o agente trabalhava ativamente contra Moscou —que nega participaç­ão no assassinat­o.

 ??  ?? Visão geral e detalhe de decoração da parede do bar moscovita Intelligen­ce, que tem como tema o mundo da espionagem; Ocidente subiu o tom contra o Kremlin por ataque a ex-agente
Visão geral e detalhe de decoração da parede do bar moscovita Intelligen­ce, que tem como tema o mundo da espionagem; Ocidente subiu o tom contra o Kremlin por ataque a ex-agente

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil