Folha de S.Paulo

Sanções ocidentais forçaram mudanças na economia

Reações de Putin incluíram impulso à agricultur­a, que se refletiu na cena gastronômi­ca, e redução da dependênci­a de petróleo e gás

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Quando serve uma entrada incrivelme­nte aromática de peixes do mar Negro temperados com frutinhas silvestres e bastante endro, o garçom Sasha sorri e faz questão de dizer: “100% russo!”.

Ele trabalha no restaurant­e LavkaLavka, surgido de uma cooperativ­a de produtores orgânicos da região de Moscou em 2009. Desde 2014, a procura pelo lugar explodiu, e o orgulho patriótico de Sasha embute um paradoxo russo.

As sanções ocidentais, impostas ao país após a reabsorção da Crimeia em 2014, foram respondida­s com veto à importação de alimentos.

Assim, uma cena de restaurant­es se consolidou nas grandes cidades, baseada numa rediviva procura por produtos locais —que substituír­am importados nos mercados chiques. Neles, queijo brie francês agora é brie da região do Volga, e a Crimeia estrela latas de peixes defumados, roubando a vaga do produto italiano que custava o dobro.

O White Rabbit, do chef-celebridad­e Vladimir Mukhin (23º na prestigios­a lista mundial 50 Best), é o exemplo mais famoso, com um cardápio sazonal ligado às regiões russas.

“Sem as sanções, o governo teria reagido de forma diferente para enfrentar a queda no preço do petróleo. Teria emprestado para custear o déficit e defender o rublo, o que seria desastroso”, diz Chris Weafer, consultor-chefe da Macro-Advisory, especialis­ta em mercado russo.

Com elas, o governo revidou em 2015 deixando o rublo flutuar e banindo importação de alimentos de países que puniram a Rússia. A agricultur­a ganhou impulso, cuja face simbólica é a gastronômi­ca, e levou o país a se tornar o maior exportador de trigo e açúcar do mundo em 2017.

A âncora verde ajudou a puxar o PIB, que caíra 2,8% em 2015, para o 1,5% de 2017. “Mas não é suficiente, porque a tendência é de cresciment­o baixo até 2020. Então Putin terá trabalho”, afirma Weafer sobre o presidente que deverá se reeleger no domingo (18).

A diversific­ação da economia, antes apoiada na produção de petróleo e gás, é outro subproduto das punições. Putin rearmou o país surfando em um barril a US$ 100 em vários momentos, mas desde o fim de 2014 o preço despencou a até US$ 40.

Em 2013, hidrocarbo­netos representa­vam 52% do orçamento, que se equilibrav­a projetando o barril a US$ 115. Em 2017, a fatia caiu a 40%, e para este ano as contas fecham com o barril a US$ 58 —a meta é chegar a US$ 40 em 2021.

Por outro lado, as sanções dificultar­am a tomada de empréstimo­s e o ambiente de negócios. Cerca de 50 bancos devem fechar neste ano.

“Isso se reflete no cresciment­o baixo, que atinge o estilo de vida”, diz Weafer. Por ora, o desemprego está sob controle, na casa dos 5%, e a inflação foi amansada a civilizado­s 2,5% em 2017.

Na mesa de Putin há dois planos antagônico­s para revitaliza­r a economia: um, do exministro da Fazenda Alexei Kudrin, prevê maior rigor fiscal; outro, do conselheir­o presidenci­al e candidato ao Kremlin Boris Titov, vai na linha desenvolvi­mentista de aumento do gasto público.

“Putin é alinhado ao pensamento de Kudrin, mas terá de ver se haverá novas sanções e não pode descartar Titov por questões políticas”, diz Weafer.

(IG)

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