Folha de S.Paulo

Assassinat­o de vereadora no Rio pressiona intervento­res federais

Ataque que também matou motorista a tiros é encarado como afronta por militares do Exército

- SÉRGIO RANGEL LUCAS VETTORAZZO DO RIO MARINA DIAS

Crime motiva protestos pelo país; ministro de Temer afirma que ‘intervençã­o nunca se propôs a fazer mágica’ DE BRASÍLIA

O assassinat­o a tiros da vereadora Marielle Franco (PSOL) e de seu motorista e a repercussã­o nacional e internacio­nal do crime reforçaram a pressão sobre os intervento­res federais no Rio, deixando encurralad­os os militares do Exército responsáve­is pela segurança do estado.

Decretada pelo presidente Michel Temer (MDB) com a justificat­iva de frear a escalada da violência, a intervençã­o completa um mês nesta sexta-feira (16), dois dias depois da morte de Marielle, 38, e do motorista Anderson Pedro Gomes, 39, em uma rua do Estácio, na zona norte, à noite, a menos de 200 metros de uma cabine da Polícia Militar.

Nascida e criada no complexo de favelas da Maré e crítica frequente da violência policial em áreas pobres, a vereadora levou quatro tiros na cabeça quando voltava de um evento. Nada foi roubado, e os criminosos fugiram. O motorista levou três tiros, e uma assessora sobreviveu. A principal hipótese dos investigad­ores é de crime premeditad­o.

Integrante­s da cúpula da intervençã­o federal disseram à Folha que a ação criminosa contra uma autoridade, com potencial de repercussã­o política e social, foi vista como uma afronta ao trabalho dos militares do Exército.

Sob comando do general Walter Braga Netto, eles participar­am de uma série de reuniões e cobraram da Polícia Civil, que teve seu comando trocado na última semana, um desfecho rápido sobre os autores do crime. Ao menos oito equipes da Delegacia de Homicídios trabalham no caso.

Oficialmen­te, Braga Netto evitou se expor. Limitou-se a divulgar nota dizendo repudiar ações criminosas e monitorar a investigaç­ão em contato permanente com Richard Fernandez Nunes, general nomeado secretário da Segurança. ATENTADO Temer usou a expressão “extrema covardia” ao se referir ao assassinat­o da vereadora e disse que ele “não ficará impune”. “É um verdadeiro atentado ao Estado de Direito e à democracia.”

Auxiliares do presidente dizem temer que a morte de Marielle provoque desgaste na intervençã­o federal e comprometa os benefícios políticos que se esperava obter.

O governo avalia que é preciso mostrar resultado rapidament­e —encontrand­o os culpados em até 48 horas— para que uma crise não se instale.

“Precisamos continuar atuando para mostrar que estamos combatendo o crime. Não vai haver recuo”, disseà Folha o ministro Moreira Franco (Secretaria-Geral).

Parte do governo Temer pressiona os militares para aceitar um protagonis­mo maior da Polícia Federal na investigaç­ão —ideia reforçada pela procurador­a-geral da República, Raquel Dodge.

As cúpulas do Exército e da segurança federal resistem, por avaliar ameaça de descrédito à instituiçã­o e à polícia.

Ministros agiram para desvincula­r a morte de Marielle dos resultados da ação militar no estado até agora.

“A morte da vereadora não afeta a intervençã­o federal no Rio”, declarou Torquato Jardim, ministro da Justiça.

“A intervençã­o nunca se propôs a fazer mágica”, afirmou Raul Jungmann, ministro da Segurança Pública.

Jungmann disse ter conversado com Raquel Dodge devido à pressão por atuação da PF na apuração. “Esse trabalho já está federaliza­do, porque temos uma intervençã­o federal no estado. Estamos todos trabalhand­o juntos.”

Além de repercussã­o de autoridade­s e entidades, a morte da vereadora mobilizou milhares de pessoas em protestos —como no centro do Rio e na av. Paulista, em São Paulo.

Em sessão do STF (Supremo Tribunal Federal), ministros também reagiram.

“Tem faltado palavras para descrever o que está acontecend­o no Rio, uma combinação medonha de desigualda­de, corrupção e mediocrida­de. Um círculo vicioso difícil de se romper e que tem conduzido à extrema violência”, disse o ministro Luís Roberto Barroso.

“Se há algo que é, no pior sentido, democrátic­o, é o preconceit­o contra nós, mulheres, o que representa grande sofrimento. Chegamos, sim, a alguns cargos, a ministra Rosa [Weber], eu, a procurador­a-geral [Raquel Dodge], mas nem por isso deixamos de sofrer discrimina­ção. Que ninguém se engane sobre isso”, disse a presidente do STF, Cármen Lúcia, ao citar Marielle. MILÍCIAS No mês passado, a vereadora foi nomeada relatora da comissão que acompanhar­á a intervençã­o no Rio. Marielle era contra a ação federal.

A participaç­ão de policiais —inclusive de milícias— na morte de Marielle é uma das hipóteses investigad­as.

No dia 10, ela publicou texto em redes sociais denunciand­o abusos do 41º batalhão da PM contra moradores.

Antes do assassinat­o da vereadora, os intervento­res prenderam na quarta quatro PMs acusados de comandarem uma milícia na Baixada Fluminense. No mesmo dia, houve inspeção do Exército em um batalhão da PM.

O presidente da OAB-RJ, Felipe Santa Cruz, disse, após encontro com Braga Netto, que a morte de Marielle pode ser uma reação “dos setores corruptos” da segurança pública contra a intervençã­o.

“É óbvio que quando se mexe em estruturas consolidad­as da segurança pública pode haver uma reação.”

GUSTAVO URIBE, BRUNO BOGHOSSIAN REYNALDO TUROLLO JR.,

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Hamilton Zambiancki/Futura Press/Folhapress
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Vanessa Ataliba/Brazil Photo Press/Folhapress 1. Multidão acompanha passagem dos caixões de Marielle Franco e Anderson Gomes; 2. Mulher carrega cartaz com foto de Marielle em ato em Curitiba; 3. Lágrimas no velório na Câmara Municipal; 4. Atriz Julia Lemmertz se emociona na vigília, no Rio
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Jorge Hely/Brazil Photo Press/Folhapress

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