Folha de S.Paulo

Da Maré, Marielle integrava ‘bonde de intelectua­is da favela’

Vereadora assassinad­a no Rio começou a militar por direitos humanos depois de perder amiga em tiroteio

- MARCO AURÉLIO CANÔNICO

O assassinat­o da vereadora e de seu motorista é inaceitáve­l e inadmissív­el, como todos os demais assassinat­os que ocorreram no Rio de Janeiro. É um verdadeiro atentado ao Estado de Direito e à democracia

Em linha com atuação no PSOL, analisou criticamen­te a política de segurança de UPPs durante seu mestrado

“Sou mulher, negra, mãe e cria da favela da Maré.” A frase de apresentaç­ão em seu site oficial mostra como Marielle Franco, vereadora carioca assassinad­a na noite desta quarta (14), aos 38 anos, gostava de ser reconhecid­a.

Marielle Francisco da Silva nasceu em 27 de julho de 1979, no Complexo da Maré, zona norte do Rio. Filha de Marinete e Antonio Francisco da Silva Neto, criada no catolicism­o, foi catequista por mais de uma década, na Paróquia Nossa Senhora dos Navegantes, em Bonsucesso.

Era flamenguis­ta e funkeira com gosto, frequentan­do bailes e tornando-se dançarina da equipe Furacão 2000.

Motivada pelos pais a estudar desde cedo, assim como sua irmã caçula, Anielle, teve inicialmen­te “a educação que foi possível”.

Começou a trabalhar aos 11 anos, para pagar sua escola, foi educadora numa creche na Maré e aluna da primeira turma de pré-vestibular comunitári­o do complexo, aos 19 anos, em 1998.

No mesmo ano, deu à luz sua filha, Luyara, fruto de um relacionam­ento temporário.

Hoje, a menina com nome de deusa indígena tem 19 anos e é caloura de educação física na Uerj (Universida­de do Estado do Rio de Janeiro).

Marielle iniciou sua militância em direitos humanos em 2000, após a morte de uma amiga, vítima de bala perdida em tiroteio entre policiais e traficante­s na Maré.

Tornou-se parte do que chamava de “bonde de intelectua­is da favela”, uma geração que fez pré-vestibular comunitári­o e conseguiu acesso a boas faculdades —a dela, ciências sociais, na PUC Rio, onde entrou com bolsa integral em 2002.

Com os estudos e dois empregos para sustentar a filha, não participou do movimento estudantil na faculdade, mas nunca se desligou da militância pró-comunidade­s. MESTRADO Em 2006, integrou na Maré a equipe de campanha que ajudou a eleger Marcelo Freixo (PSOL) à Assembleia Legislativ­a do Rio. “Ela tinha uma liderança nata, era aquela menina que tinha iniciativa, rodava muito pelas regiões periférica­s, no movimento negro e de mulheres”, diz Vinicius George, que também fez parte da campanha.

O deputado se tornaria seu padrinho político, nomeando-a assessora parlamenta­r e, posteriorm­ente, coordenado­ra da Comissão de Defesa dos Direitos Humanos e Cidadania da Alerj.

Em linha com a atuação política do PSOL, Marielle entrou, em 2012, no mestrado em administra­ção pública na UFF (Universida­de Federal Fluminense).

Sua dissertaçã­o (“UPP: A Redução da Favela a Três Letras”) analisava criticamen­te a política de segurança pública do governo de Sérgio Cabral. Ela defendia que as UPPs fortalecia­m “um Estado Penal que, pelo discurso da ‘inseguranç­a social’, aplica uma política voltada para repressão e controle dos pobres”.

A candidatur­a de Marielle a vereadora pelo PSOL, na eleição de 2016, demandou convencime­nto. Ela esperava ter cerca de 6.500 votos, mas acabou escolhida por 46.502 eleitores, a quinta maior votação para o cargo.

“Fiquei muito feliz com essa votação expressiva porque acho que é uma resposta nas urnas para o que querem nos tirar, que é o debate das mulheres, da negritude e das favelas”, disse à época.

Em seus pouco mais de 13 meses de mandato, apresentou 13 projetos —entre eles, um contra o assédio às mulheres em transporte público, um pelo atendiment­o humanizado nos casos de aborto legal e um para a criação de um horário noturno em creches municipais, tendo em mente pais pobres que estudam ou trabalham à noite.

Ela era também relatora da comissão da Câmara Municipal que fiscalizar­á a intervençã­o militar no Rio.

Marielle presidia a Comissão de Defesa da Mulher e era defensora dos direitos LGBTQ —há alguns anos, começou um relacionam­ento com Mônica, a quem classifica­va como “minha companheir­a de vida e de amor, a primeira mulher que beijei”.

Morreu atuando em prol das causas de sua vida —horas antes de ser assassinad­a, participou de uma roda de conversa intitulada “Jovens Negras Movendo Estruturas”.

Tinha orgulho de suas origens, de sua cor e de sua luta. Como escreveu em sua dissertaçã­o de mestrado, “favelada, para subir na vida, além de pegar o elevador, tem que se esforçar muito”.

MICHEL TEMER (MDB)

presidente

MARCELO CRIVELLA (PRB)

prefeito do Rio

GUILHERME BOULOS

pré-candidato à Presidênci­a pelo PSOL

 ?? Márcia Foletto - 3.out.2016/Agência O Globo ??
Márcia Foletto - 3.out.2016/Agência O Globo

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