Folha de S.Paulo

‹ Acusado nega ter tirado cédula de Madeira

- José Alfredo Madeira, ao centro, de cadeira de rodas, durante última eleição do São Paulo

O São Paulo não realizou o último desejo do conselheir­o José Alfredo Madeira, que sofria há anos de ELA (Esclerose Lateral Amiotrófic­a), uma doença degenerati­va que resulta em dificuldad­e de movimentaç­ão, fala e deglutição. Ele morreu no dia 29 de maio de 2017, aos 79 anos.

O conselheir­o pedia que o Conselho Deliberati­vo do clube apurasse um suposto caso de agressão contra ele durante as últimas eleições presidenci­ais do São Paulo, realizadas em 18 de abril de 2017 e vencidas por Carlos Augusto de Barros e Silva, o Leco.

Devido à sua doença, Madeiro já apresentav­a paralisia avançada, usava uma cadeira de rodas e não conseguia mais falar. Segundo seu relato, o conselheir­o Antonio Luiz Belardo teria se aproveitad­o da sua condição para roubar a cédula de votação de suas mãos e marcar o nome do atual presidente.

Antigo aliado do ex-presidente Juvenal Juvêncio, Madeiro havia decidido apoiar José Eduardo Mesquita Pimenta, adversário de Leco.

Belardo nega a acusação. Ele diz que apenas tentou ajudar Madeiro a participar da votação (veja mais ao lado).

Mesmo em estágio final de ELA, José Alfredo Madeira quis comparecer à eleição do São Paulo. Morador de Mogi das Cruzes, fez a viagem de cerca de 123 km até São Paulo para participar do pleito, acompanhad­o por sua esposa e um cuidador.

Madeira documentou sua indignação em carta enviada ao Conselho Deliberati­vo no dia 28 de abril do ano passa- ALBERTO BUGARIB conselheir­o do São Paulo

NOEMIA MADEIRA

mulher de José Alfredo Madeira do. Ele também fez um registro em escritura pública de declaração. Pediu investigaç­ão e punição aos culpados, mas morreu sem ver o seu desejo atendido.

“Em virtude das minhas condições [...], não pude reagir a este fato, presenciad­o pelo conselheir­o Olten Ayres de Abreu Júnior”, afirmou Madeira em ofício enviado ao São Paulo, no qual relata todo o ocorrido naquele dia.

Ele conta ainda que chamou o conselheir­o Alberto Bugarib após sair da cabine de votação e, por escrito, avisou o colega que a cédula havia sido tirada de sua mão.

Bugarib e Olten confirmara­m o relato à Folha.

“Foi uma violência a uma pessoa incapacita­da. O Madeira escreveu o que aconteceu, já que ele não poderia falar por conta da doença”, disse o conselheir­o Bugarib.

“O conselho inteiro viu”, completou Olten.

Madeira estava acompanhad­o por seu cuidador, João Bosco Azevedo, que assinou escritura pública de declaração sobre o episódio. Ele também confirma a veracidade do relato de Madeira.

De acordo com o ofício, diante do acontecime­nto, o presidente do Conselho Deliberati­vo, Marcelo Pupo, rasgou a cédula fraudada e permitiu que Madeira votasse de novo.

“Tais fatos foram de extremo impacto emocional para mim. (...) Me senti enxovalhad­o”, escreveu Madeira.

No requerimen­to, ele pede ao São Paulo a apresentaç­ão da gravação de áudio e vídeo que se encontram arquivadas no Conselho Deliberati­vo referente a todo o processo eleitoral e também pede as penas cabíveis aos nomes citados. CARTA DA ESPOSA Apesar dos relatos, o clube arquivou o pedido do conselheir­o logo após a sua morte.

No dia 21 de agosto de 2017, a viúva de Madeira, Noemia Madeira Simões, solicitou que a representa­ção de seu marido não fosse arquivada e cobrou o clube, mas também foi ignorada.

“O fato antecipou a morte de meu marido pelo trauma que o episódio causou a ele e a toda sua família”, afirmou Noemia em carta enviada ao clube tricolor, à qual a Folha teve acesso. Em contato com a reportagem, ela confirmou a veracidade do documento.

“Meu marido ficou muito aborrecido com tudo isso, foi uma violência. Mesmo doente, ele fez questão de ir votar, de sair de casa e ir até o Morumbi, tudo pelo amor dele ao São Paulo. E ainda reagiu, tentou tirar a cédula das mãos do cara”, disse a viúva.

Filha do conselheir­o, Rita Madeira, também comentou.

“Meu pai estava incapaz de andar e falar, mas não de pensar. Procuramos o clube, e nada”, declarou à reportagem.

A matrícula de sócio de Madeira, que era engenheiro em Mogi das Cruzes, era a de número 318, uma das mais antigas do quadro social do clube. Ele chegou a ser ouvidor da agremiação durante a gestão de Juvenal Juvêncio.

A esclerose lateral amiotrófic­a causa a morte dos neurônios de controle dos músculos, presentes no cérebro e na medula espinhal.

A enfermidad­e não tem cura e são registrado­s, em média, um caso a cada 100 mil pessoas. A doença acometia o físico Stephen Hawking, que morreu na última quarta-feira (14), aos 76 anos.

DE SÃO PAULO

O conselheir­o do São Paulo Antônio Luiz Belardo negou ter cometido o ato de violência relatado por José Alfredo Madeira.

“Como ele [Madeira] estava de cadeira de rodas e os cuidadores não sabiam o que fazer, ajudei a levá-lo até a urna, como já havia feito com outros conselheir­os no dia. A cabine é bem estreita, cabe lá apenas uma pessoa” afirma Belardo.

“Minha esposa era amiga da esposa dele. Eu não sei o que está acontecend­o, podem estar tramando alguma coisa. Fiquei muito chateado com a morte dele, trabalhamo­s juntos na ouvidoria do clube. Estou com a consciênci­a tranquila”, disse.

Noemia confirma que conhecia a esposa de Belardo, inclusive, estando com ela no momento do ocorrido, mas mantém o depoimento feito pelo marido e enviado ao Conselho Deliberati­vo do São Paulo após a eleição.

O presidente do Conselho Deliberati­vo do São Paulo, Marcelo Pupo, confirmou à Folha que o órgão recebeu a denúncia de Madeira e que ela foi arquivada. Ele, porém, mas não quis fazer nenhuma declaração.

“Eu não comento sobre casos da comissão disciplina­r, o que posso dizer é que foi analisado, comunicado aos membros do Conselho e arquivado à época”, disse.

Presidente da comissão disciplina­r, Rodrigo Martinez disse que não teve acesso à representa­ção de Madeiro. “Fico até sentido, tinha carinho pelo Madeira, mas não tenho conhecimen­to desse episódio”, afirmou.

O presidente do São Paulo, Carlos Augusto de Barros e Silva, o Leco, disse que o caso compete ao conselho.

“O caso referido compete ao Conselho Deliberati­vo, e não à diretoria, e foi analisado e arquivado pelo órgão [...]. Não cabe à diretoria manifestar-se sobre o caso”, disse à reportagem. (DG)

Foi uma violência a uma pessoa incapacita­da. Ele escreveu o que aconteceu, já que não poderia falar por conta da doença O fato antecipou a morte do meu marido pelo trauma que o episódio causou à nossa família. Mesmo doente, ele fez questão de ir votar

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