Série de José Padilha para a Netflix sobre esquema de corrupção é bom thriller apesar de caricaturas
noticiário. Não há na dramaturgia o equilíbrio que existe no jornalismo —e nem seria este o objetivo.
Tampouco se tem o distanciamento histórico necessário para extrair do episódio um arco dramático completo. “O Mecanismo”, série que se propões a contar a gênese da Operação Lava Jato, sai-se bem.
Trata-se, sobretudo, de entretenimento, e não há possibilidade de encarar o thriller da Netflix baseado no livro ‘Lava Jato - O Juiz Sergio Moro e os Bastidores da Operação que Abalou o Brasil’, do jornalista Vladimir Netto, de outra forma.
Pode ser até tragicômico ver na tela a Petrobras travestida de PetroBrasil, Dilma Rousseff como “Janete”, Marcelo Odebrecht de “Ricardo Brecht”. Mas o caráter documental da produção é turvado pela decisão de tomar a Polícia Federal como uma liga de heróis, que acaba com a possibilidade de nuances na trama (sem juízo de valor aqui, pois a opção é válida).
A questão, felizmente, é que ainda que se discorde dessas escolhas, há de se admitir que o produtor e diretor José Padilha é um maestro eficaz na condução de uma trama policial, e o roteiro de Elena Soarez (“Eu Tu Eles”), ajuda.
As tintas carregadas continuam a saltar aos olhos em “O Mecanismo”, e o recurso recorrente de conduzir a história com a narrativa em off dos protagonistas se torna previsível e comodista.
Ainda assim, poucos diretores/ produtores hoje fisgam o espectador e desdobram subtramas com a habilidade do sujeito que deu ao público “Tropa de Elite” e “Narcos”. e abnegado, ele logo é escanteado por um sistema repleto de vícios e falhas.
Dez anos depois, corta-se a trama para sua pupila Verena Cardoni (Caroline Abras, numa atuação caricata), obcecada por concluir o trabalho do mentor. Cardoni é uma ficcionalização da delegada Érika Marena, considerada a mãe da Lava Jato por seus pares.
O trunfo, contudo, é ter entregado o papel do doleiro que alimentava o esquema a Enrique Díaz. Seu Roberto Ibrahim, o personagem mais carismático e bem construído da série, um cínico que enriqueceu dedicando-se a entender e tirar proveito das engrenagens do “mecanismo” de corrupção (ou: o alter ego de Alberto Youssef).
A Netflix liberou para a imprensa apenas os 3 primeiros dos 8 episódios de 40 minutos. Então não é possível saber como a série pintará o juiz Sergio Moro (rebatizado de “Paulo Rigo”) nem se ele roubará o primeiro plano da equipe policial, o que trairia a natureza da obra de José Padilha.