Folha de S.Paulo

Preocupado com a saúde, cliente ‘fala, liga, não aceita’, diz executivo da Nestlé

- FLAVIA LIMA

A preocupaçã­o com a sustentabi­lidade, que inclui de cuidados com o ambiente e com o desenvolvi­mento social a confrontos com as exigências mais imediatist­as do mercado financeiro, não é um luxo, mas algo que deve ser incorporad­o por empresas, governos e pela sociedade, diz o belga Paul Bulcke, presidente do conselho de administra­ção da Nestlé.

Uma face desse mundo mais sustentáve­l, a atenção maior das pessoas com a saúde, não tem afetado os lucros da gigante alimentíci­a conhecida por seus chocolates e iogurtes, afirma Bulcke.

O executivo, que está na Nestlé desde 1979, diz que a empresa tem investido em pesquisa para oferecer um portfólio mais saudável.

“Os produtos mais nutritivos têm as melhores margens e uma população mais consciente do problema valoriza mais esse tipo de produto”, afirma Bulcke.

Em bom português, fruto de um período de dois anos em Portugal, Bulcke também discorda da percepção de que as grandes companhias alimentíci­as miram os países em desenvolvi­mento diante de uma possível conscienti­zação mais forte —e da maior renda— da população de países desenvolvi­dos.

Em especial no Brasil, diz ele, onde os mais jovens ainda são a maior parcela da população. “O brasileiro fala, escreve, liga, não aceita”.

Leia trechos da entrevista de Bulcke para a Folha. empresa, não pensamos nisso apenas quando estamos bem: está intrinseca­mente ligado com a nossa estratégia. Deve estar nas agendas das empresas, sociedades e governos permanente­mente.

E sustentabi­lidade não é só meio ambiente. É desenvolvi­mento econômico e social. É o que a gente faz hoje e não coloca em risco a possibilid­ade de fazer bem amanhã.

Nós temos rearticula­do nosso propósito como empresa. O foco é melhorar a qualidade de vida e contribuir para um futuro mais saudável.

Agora o que se passa com os EUA é outra coisa. É algo político. Mas acho também que a posição americana acaba aglutinand­o o resto do mundo. Em meio a questões como desigualda­de econômica crescente, a sustentabi­lidade ainda tem importânci­a?

A desigualda­de é fruto de uma atitude de curto prazo. É um grupo de pessoas que dizem ‘tudo para mim’.

Sentimos essa dimensão muito forte também no mundo financeiro, que exige mais hoje da Nestlé sem perceber que isso pode ocorrer à custa do amanhã. ‘Amanhã veremos’, dizem eles.

Eu posso fazer o que me pedem e ficar três ou quatro anos bem. E depois? É obrigação da gerência dizer não às coisas que podem compromete­r o futuro. E a política deveria fazer mais isso.

Os políticos não podem pensar só em eleições. Tem que fazer o que é devido. Temos que voltar a pensar no longo prazo. Como a Nestlé está se adaptando às novas tendências de dietas mais saudáveis no mundo? A empresa não teme essa onda?

Essa conscienti­zação de saúde é muita mais aguda na parte de comida e bebida. Acho que isso joga a favor da nossa estratégia. Investimos muito em pesquisa. Nosso portfólio muda para acompanhar essa onda. No Brasil, temos uma deficiênci­a em vitamina A, ferro e zinco muito forte e focamos na fortificaç­ão de produtos.

Mas somos pressionad­os pela percepção ruim sobre o chocolate, por exemplo. Mas o chocolate não é ruim. Muito chocolate é que é. Logo, podemos dar chocolate com menos açúcar. Ou fazer porções menores. Os problemas precisam de respostas variadas. Mas essa preocupaçã­o com saúde não afeta, ainda que momentanea­mente, o lucro da empresa?

Os produtos mais nutritivos têm as melhores margens. E uma população mais consciente do problema valoriza mais esse tipo de produto. Logo, isso cria valor.

E muitos dessas soluções não custam muito pra gente. Adicionar ferro ao produto não é muito custoso, é só se atentar para que não altere o sabor. A Nestlé não perde participaç­ão de mercado nos países mais desenvolvi­dos e ganha nos menos, que ainda são menos sensíveis a essa questão?

Acho que é uma percepção errônea acreditar que os países em desenvolvi­mento estão atrasados. A conscienti­zação no Brasil é igual à da Europa. Às vezes, mais aguda.

Porque a sociedade brasileira é mais jovem e são eles que perguntam, que são incisivos e consciente­s. Logo, acho que em países como o Brasil o diálogo é mais intenso: brasileiro fala, escreve, liga, não aceita. Que papel o Brasil pode desempenha­r no tema da sustentabi­lidade? Ele tem cumprido seu potencial?

É um player importante no mundo para a agricultur­a e tem que assumir a responsabi­lidade. Não pode se esconder e dizer que ainda é um país em desenvolvi­mento. E acho que o Brasil está fazendo um bom trabalho. Há conscienti­zação das coisas.

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