Folha de S.Paulo

ANÁLISE Cartada de Trump parece arriscada, mas cirúrgica

- LUCIANA COELHO

A maioria achou maluquice, e alguns viram coragem. De um jeito ou outro, Donald Trump está prestes a obter as vantagens comerciais que alardeia ao ameaçar subir de forma horizontal as tarifas sobre o aço que os EUA compram em 25% e as do alumínio em 10%.

No decreto assinado no dia 8, o presidente americano eximiu só os vizinhos e parceiros de Nafta, Canadá e México, da sobretaxa.

Mas a lista deve crescer. Sua equipe trabalha ininterrup­tamente em um balcão de negociaçõe­s no qual países ansiosos por se livrar da carga extra esperam em fila com contraprop­ostas.

Não é pouco provável que a tática de Trump fosse esta desde o início, enfiar um bode na sala para forçar os parceiros a ceder em outros itens que interessem aos EUA e, de lambuja, contentar o eleitor nacionalis­ta.

A claque presidenci­al tem protecioni­stas convictos (como o secretário do Comércio, Wilbur Ross), cuja influência não é ignorável.

Mas, neste caso, a personalid­ade do presidente parece determinan­te. Trump não se formou na política, e sim nos negócios. Seu objetivo não é consenso nem “arte do possível”. É pedir truco e ver o adversário recuar.

Custa crer, portanto, que ele realmente tenha considerad­o sobretaxar qualquer país do planeta em um produto tão infiltrado na cadeia produtiva, arriscando-se a uma guerra de retaliaçõe­s.

Prevendo queixas na Organizaçã­o Mundial do Comércio, tratou logo de evocar o argumento da segurança nacional, que deixa os países-membros manietados, já que segurança pode fugir da jurisdição da OMC.

Não fosse já o obstáculo grande o bastante, o aceno com isenção para alguns países faz implodir as chances de uma resposta articulada.

Se os europeus ficam fora do decreto, afinal, que interesse terão em apoiar uma ação conjunta? Se Mauricio Macri obtiver sucesso com seu telefonema a Trump e a Argentina for eximida, que terá a dizer o Mercosul?

Não é uma jogada desprezíve­l, ainda que arriscada. O próprio diretor-geral da OMC, Roberto Azevêdo, ressalvou que tem água para correr sob a ponte, e o efeito da medida só será mensurável quando estiver clara sua aplicação, no dia 23.

Se, por outro lado, estiverem certos os que acham que Trump surtou, e a medida for mesmo um rolo compressor, há boa chance de ela ser freada em casa.

Paul Ryan, presidente da Câmara e correligio­nário de Trump, advertiu o presidente de que a tarifa pode destruir mais empregos nos EUA do que poupar, assim como o novo conselheir­o econômico, Larry Kudlow.

A recente derrota republican­a em uma eleição legislativ­a extemporân­ea na Pensilvâni­a, estado onde a indústria siderúrgic­a é forte, força Trump a ouvi-los.

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