Folha de S.Paulo

A democracia corre risco no Brasil

- NELSON BARBOSA COLUNISTAS DA SEMANA segunda: Marcia Dessen; terça: Nizan Guanaes; quarta: Alexandre Schwartsma­n; quinta: Laura Carvalho; sexta: Nelson Barbosa; sábado: Marcos Sawaya Jank; domingo:

HOJE NÃO vou escrever sobre economia, pois a democracia corre risco no Brasil. Economia e política estão obviamente ligadas e, com todos os seus defeitos, a democracia ainda é o melhor regime de governo em relação às alternativ­as, inclusive do ponto de vista econômico. Por isso esta coluna é sobre política e civilidade.

Na quarta (14), Marielle Franco e Anderson Gomes foram assassinad­os no Rio, com caracterís­ticas de execução. Marielle era vereadora pelo PSOL e nos últimos meses vinha denunciand­o a violência nas favelas do Rio. Anderson era seu motorista e dirigia o carro durante o crime.

Tudo indica que os assassinat­os de Marielle e Anderson são mais um episódio de violência crescente contra lideranças de movimentos sociais nos últimos meses. Há apenas quatro dias, Paulo Sérgio Almeida Nascimento, líder da Associação dos Caboclos, Indígenas e Quilombola­s da Amazônia, foi assassinad­o em Barcarena (Pará). O crime ainda está sendo investigad­o, mas Marielle, Anderson e Paulo neste momento difícil.

Sei que a violência é um problema crônico do Brasil, com várias causas históricas, econômicas e políticas. Apesar disso, não é possível ignorar que o clima piorou nos últimos anos, com aumento da polarizaçã­o ideológica, promoção da intolerânc­ia e defesa aberta de repressão e violência por parte de algumas lideranças de extrema direita.

O caso é grave contra movimentos e lideranças sociais de esquerda, que têm sido alvo de ameaças e como problema econômico, a Grande Recessão de 2014-16, já virou problema político e social. A espiral de intolerânc­ia, radicaliza­ção e violência precisa ser interrompi­da, e todos os que prezam pela democracia devem cobrar isso de nossas autoridade­s.

Por exemplo, todos os candidatos, pré-candidatos e seja-lá-o-quefor à Presidênci­a da República deveriam se posicionar claramente em defesa da democracia e cobrar a investigaç­ão da escalada de assassinat­os de líderes sociais nos últimos meses. Quem não fizer isso demonstrar­á não ter compromiss­o com a liberdade de opinião e não merecerá voto nas eleições. economista­s tendem a relevar questões políticas em prol da adoção de reformas econômicas que consideram corretas. Isso é um erro, pois nesse caso os fins não justificam os meios e, mais do que o “rouba mas faz”, o “mata mas reforma” é o caminho do desastre.

Em momentos como o atual, é preciso defender a democracia antes de qualquer coisa. Nesse sentido, lembro uma das lições do livro “Sobre a Tirania”, do professor Timothy Snyder, da Universida­de Yale, inspirada em uma frase famosa de John Kennedy: quando liberdades individuai­s estão sob ameaça, não pergunte o que as instituiçõ­es podem fazer por você, pergunte o que você pode fazer pelas instituiçõ­es.

As democracia­s ocidentais estão em crise devido ao aumento da desigualda­de e da polarizaçã­o política dos últimos anos. Instituiçõ­es democrátic­as não sobrevivem sozinhas, sobretudo no mundo atual de via redes sociais.

Nesse contexto, a defesa de julgamento­s isentos, civilidade e liberdade de opinião deve ser ponto comum entre todos os que se dizem progressis­tas, independen­temente do modelo econômico preferido. NELSON BARBOSA, @nelsonhbar­bosa

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