Folha de S.Paulo

A democracia de Putin

Em eleição pouco competitiv­a, presidente russo deve obter seu quarto mandato neste domingo, embalado por suas atitudes contra o Ocidente

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Na teoria, uma eleição presidenci­al em que o atual ocupante do cargo disputa com outros sete candidatos sem restrições a fazer campanha é sinal de vitalidade democrátic­a. Na prática, falase aqui da Rússia, o que põe sob suspeição tal pressupost­o.

Vladimir Putin deve ser conduzido neste domingo (18) a um quarto mandato e uma segunda reeleição (mais quatro anos como primeiromi­nistro). As pesquisas lhe dão mais de 60% dos votos; nenhum adversário deve superar 10%.

Não se questiona a autenticid­ade da expressiva preferênci­a pelo mandatário. Ele detém mais de 80% de popularida­de, muito em razão de sua abordagem agressiva contra o Ocidente, eficaz para reavivar o orgulho pátrio dos russos. Quaisquer que fossem seus concorrent­es, provavelme­nte sairia vencedor da mesma maneira.

Pesa contra o processo eleitoral, na verdade, a real natureza das demais candidatur­as. Há entre os postulante­s figuras próximas ao presidente —que, para críticos do governo, estariam no páreo apenas para conferir um verniz de legitimida­de à votação.

Recaem dúvidas até sobre a candidata mais vocal de oposição, a jornalista e socialite Ksenia Sobchak, única mulher no pleito.

Filha de um antigo aliado do governo, ela nega fazer o jogo do Kremlin. “A eleição é injusta, mas prefiro participar dela”, disse Ksenia em entrevista à Folha. Com 1% das intenções, suas palavras em nada incomodam Putin.

Recorde-se que o oponente com maior potencial para desafiá-lo foi convenient­emente impedido de ter seu nome nas urnas. O advogado e ativista Alexei Navalni, que liderou grandes protestos no ano passado, não pode concorrer por existir contra ele uma sentença de prisão por fraude, decorrente de um processo, no mínimo, nebuloso.

Em um cenário tão favorável, prestes a aproveitar os holofotes por sediar uma Copa do Mundo, o presidente parece cada vez menos preocupado com a reação da comunidade internacio­nal a suas ações, seja o apoio ao ditador Bashar al-Assad na guerra síria ou a suposta interferên­cia nas eleições dos Estados Unidos em 2016.

No episódio mais recente, o Reino Unido acusou a Rússia de tentar matar, por envenename­nto, um exagente dos tempos soviéticos que vivia na Inglaterra —caso semelhante ao de outro ex-espião russo, morto em 2006. Apesar dos fortes indícios, Moscou nega envolvimen­to e vê “histeria russofóbic­a”.

Se cumprir o mandato até 2024, Putin vai se firmar como o homem que por mais tempo comandou seu país desde Josef Stalin (de 1924 a 1953). Eis, sem dúvida, uma democracia que ele pode chamar de sua. BRASÍLIA -

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