Folha de S.Paulo

Enterraram uma semente

Mataram Marielle, nossa amiga, por não suportarem uma negra, favelada e feminista enfrentand­o os poderosos; não nos calarão

- CLAUDIA TRINDADE, DANIELA FICHINO, GABRIELA BUSCÁCIO E LIA ROCHA

Em certo momento da vida nos juntamos em uma só, viramos sereias. Era a nossa brincadeir­a. Cinco mulheres, de diversas idades e profissões reunidas numa irmandade de cuidado, proteção, política e amor. Entre nós, tínhamos nossa leoa: negra, favelada, bissexual, com uma força que nos reunia em torno de nós mesmas: Marielle.

Ela, assim como nós, era feminista, defensora dos direitos humanos e lutava no seu dia a dia para o fim do machismo, do patriarcad­o, do genocídio da juventude pobre e negra das favelas. E nossa amiga decidiu, após tantos anos de militância e trabalho, representa­r a todas nós também no Parlamento.

Foi uma campanha linda, sem precedente­s na história da cidade do Rio, que reuniu milhares de pessoas em torno de tudo aquilo que ela representa­va. Foram mais de 46 mil votos que ela recebeu, e nosso orgulho não cabia no peito da vitória acachapant­e que Marielle teve.

Sua carreira política estava em ascensão, e seu protagonis­mo na causa das mulheres, dos direitos humanos, e da população negra, favelada e trabalhado­ra era inquestion­ável. Não se conseguia imaginar até onde Marielle poderia ir, mas sabíamos que iria longe, levando consigo lutadoras e lutadores de causas tão importante­s.

No fim do dia 14 de março, assassinar­am Marielle. Interrompe­ram sua vida, assim como a de Anderson Gomes, na região central, a poucos metros da sede da Prefeitura.

Execução. Foi isso o que aconteceu nessa terrível noite. Foi um crime político, com o objetivo de calar uma voz que se opunha à crescente militariza­ção da vida, aos abusos e arbítrios das políticas de segurança e à violência sofrida especialme­nte pelas mulheres periférica­s em decorrênci­a da guerra deflagrada pelos aparatos estatais contra os território­s de pobreza cariocas.

Vivemos um contexto de cresciment­o do autoritari­smo no país, sendo o golpe um ponto de inflexão no aprofundam­ento das arbitrarie­dades. Em um capítulo seguinte, a intervençã­o federal no estado do Rio —que delegou a segurança dos cidadãos fluminense­s às Forças Armadas, em total desrespeit­o às atribuiçõe­s constituci­onais dessa corporação— radicalizo­u ainda mais os ataques à democracia e aos direitos civis, políticos e sociais.

Ao mesmo tempo, intensific­ou a exposição pública de discursos conservado­res de inspiração fascista, que pregam o extermínio como forma de combater o crime e o aniquilame­nto dos considerad­os diferentes —negras e negros, favelados, gays, trans, feministas e todo o espectro diverso de nossa sociedade vistos como indesejáve­is.

E era contra tudo isso que Marielle Franco se posicionav­a. Para defender a existência dos “indesejáve­is”, ela se expunha com toda a coragem que a caracteriz­ava desde que começou sua militância política no Pré-Vestibular para Negros e Carentes da Maré. Marielle lutava por eles, era igual a eles, também uma “indesejáve­l”.

Negra, favelada e de esquerda, representa­va tudo o que mais temem os que odeiam a liberdade, a democracia, a diversidad­e e a igualdade: era uma guerreira.

Por isso a mataram. Os covardes, machistas, racistas que não suportaram uma negra, favelada e feminista na Câmara, enfrentand­o os poderosos da cidade, que não suportaram ver a potência da negritude e ancestrali­dade que carregava, o simbolismo de sua figura gigante. Sua morte é um duro golpe na aparência de normalidad­e que vivemos.

Levaram uma parte nossa. De cada uma de nós. Mas também de cada pessoa que votou nela em 2016. De cada uma das cem mil pessoas que se reuniram durante a última quinta-feira no Rio. Eles não nos calarão. Continuare­mos juntas, lutando todos os minutos de nossas vidas para acabar com o patriarcad­o, com o machismo, com o assassinat­o de pretos e pobres. Não é só por nós: é por Luyara, Ana Flor, Helena e Beatriz. Eu sou porque nós somos! Nós seremos resistênci­a porque você foi luta! Marielle Franco vive! CLAUDIA TRINDADE, DANIELA FICHINO, GABRIELA BUSCÁCIO, LIA ROCHA,

O chargista Claudio Mor (Opinião, 16/3) conseguiu de maneira brilhante e sensível fazer um paralelo, unindo uma crítica ao auxílio-moradia a uma belíssima homenagem à vereadora Marielle Franco. Parabéns pela competênci­a e criativida­de.

SÔNIA MARIA BACCARI DE GODOY

Lamentável a morte da vereadora, mas agora é a hora do PSOL parar com a mensagem hipócrita de “Fora, Temer” e fazer algo para mudar as leis, em especial as que protegem traficante­s, milicianos, policiais militares corruptos, black blocs, vândalos e bicheiros que lavam dinheiro no Carnaval.

ANTONIO JOSÉ G. MARQUES

Não acho que a execução de Marielle Franco tenha sido um crime com intenções políticas. Acho que foi um ato de ódio contra as mulheres que ousam se levantar, falar alto e apontar o dedo, e que se atrevem a não sentir medo, a assumir a sua sexualidad­e e posições de liderança. Já vi esse ódio no olhar de homens brutos que não toleram ver mulheres fortes, que assumem suas vidas sem lhes pedir licença.

MARIA CECILIA SÁ PORTO

Mando de campo

Durante grande parte de minha vida recebi esse tipo de auxílio, e achando justo. Como era: a partir de uma primeira transferên­cia da cidade onde se começou a trabalhar faz-se jus ao auxílio por um período de até quatro anos, que era o tempo que se entendia como plenamente adaptado ao novo local. Havendo outra transferên­cia, antes de findar esse tempo, começava nova contagem, inclusive se fosse para a cidade de origem, mas sempre por no máximo quatro anos. Assim parece bastante justo.

VALERIANO DUQUE DE OLIVEIRA

Colunista Em nome da moralidade administra­tiva, o respeitado ministro Luís Roberto Barroso, do STF, suspendeu, por inconstitu­cionalidad­e, diversos tópicos do decreto de indulto natalino editado por Michel Temer. O colunista Reinaldo Azevedo publica um artigo antidemocr­ático, altamente ofensivo ao Poder Judiciário, chegando ao desplante de propor o impeachmen­t do ministro (“Barroso, candidato ao impeachmen­t”, Poder, 16/3). O que Folha está esperando para decretar o impeachmen­t do colunista?

ZELMO DENARI

Presidente do STF

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Marcos Lorente

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