Enterraram uma semente
Mataram Marielle, nossa amiga, por não suportarem uma negra, favelada e feminista enfrentando os poderosos; não nos calarão
Em certo momento da vida nos juntamos em uma só, viramos sereias. Era a nossa brincadeira. Cinco mulheres, de diversas idades e profissões reunidas numa irmandade de cuidado, proteção, política e amor. Entre nós, tínhamos nossa leoa: negra, favelada, bissexual, com uma força que nos reunia em torno de nós mesmas: Marielle.
Ela, assim como nós, era feminista, defensora dos direitos humanos e lutava no seu dia a dia para o fim do machismo, do patriarcado, do genocídio da juventude pobre e negra das favelas. E nossa amiga decidiu, após tantos anos de militância e trabalho, representar a todas nós também no Parlamento.
Foi uma campanha linda, sem precedentes na história da cidade do Rio, que reuniu milhares de pessoas em torno de tudo aquilo que ela representava. Foram mais de 46 mil votos que ela recebeu, e nosso orgulho não cabia no peito da vitória acachapante que Marielle teve.
Sua carreira política estava em ascensão, e seu protagonismo na causa das mulheres, dos direitos humanos, e da população negra, favelada e trabalhadora era inquestionável. Não se conseguia imaginar até onde Marielle poderia ir, mas sabíamos que iria longe, levando consigo lutadoras e lutadores de causas tão importantes.
No fim do dia 14 de março, assassinaram Marielle. Interromperam sua vida, assim como a de Anderson Gomes, na região central, a poucos metros da sede da Prefeitura.
Execução. Foi isso o que aconteceu nessa terrível noite. Foi um crime político, com o objetivo de calar uma voz que se opunha à crescente militarização da vida, aos abusos e arbítrios das políticas de segurança e à violência sofrida especialmente pelas mulheres periféricas em decorrência da guerra deflagrada pelos aparatos estatais contra os territórios de pobreza cariocas.
Vivemos um contexto de crescimento do autoritarismo no país, sendo o golpe um ponto de inflexão no aprofundamento das arbitrariedades. Em um capítulo seguinte, a intervenção federal no estado do Rio —que delegou a segurança dos cidadãos fluminenses às Forças Armadas, em total desrespeito às atribuições constitucionais dessa corporação— radicalizou ainda mais os ataques à democracia e aos direitos civis, políticos e sociais.
Ao mesmo tempo, intensificou a exposição pública de discursos conservadores de inspiração fascista, que pregam o extermínio como forma de combater o crime e o aniquilamento dos considerados diferentes —negras e negros, favelados, gays, trans, feministas e todo o espectro diverso de nossa sociedade vistos como indesejáveis.
E era contra tudo isso que Marielle Franco se posicionava. Para defender a existência dos “indesejáveis”, ela se expunha com toda a coragem que a caracterizava desde que começou sua militância política no Pré-Vestibular para Negros e Carentes da Maré. Marielle lutava por eles, era igual a eles, também uma “indesejável”.
Negra, favelada e de esquerda, representava tudo o que mais temem os que odeiam a liberdade, a democracia, a diversidade e a igualdade: era uma guerreira.
Por isso a mataram. Os covardes, machistas, racistas que não suportaram uma negra, favelada e feminista na Câmara, enfrentando os poderosos da cidade, que não suportaram ver a potência da negritude e ancestralidade que carregava, o simbolismo de sua figura gigante. Sua morte é um duro golpe na aparência de normalidade que vivemos.
Levaram uma parte nossa. De cada uma de nós. Mas também de cada pessoa que votou nela em 2016. De cada uma das cem mil pessoas que se reuniram durante a última quinta-feira no Rio. Eles não nos calarão. Continuaremos juntas, lutando todos os minutos de nossas vidas para acabar com o patriarcado, com o machismo, com o assassinato de pretos e pobres. Não é só por nós: é por Luyara, Ana Flor, Helena e Beatriz. Eu sou porque nós somos! Nós seremos resistência porque você foi luta! Marielle Franco vive! CLAUDIA TRINDADE, DANIELA FICHINO, GABRIELA BUSCÁCIO, LIA ROCHA,
O chargista Claudio Mor (Opinião, 16/3) conseguiu de maneira brilhante e sensível fazer um paralelo, unindo uma crítica ao auxílio-moradia a uma belíssima homenagem à vereadora Marielle Franco. Parabéns pela competência e criatividade.
SÔNIA MARIA BACCARI DE GODOY
Lamentável a morte da vereadora, mas agora é a hora do PSOL parar com a mensagem hipócrita de “Fora, Temer” e fazer algo para mudar as leis, em especial as que protegem traficantes, milicianos, policiais militares corruptos, black blocs, vândalos e bicheiros que lavam dinheiro no Carnaval.
ANTONIO JOSÉ G. MARQUES
Não acho que a execução de Marielle Franco tenha sido um crime com intenções políticas. Acho que foi um ato de ódio contra as mulheres que ousam se levantar, falar alto e apontar o dedo, e que se atrevem a não sentir medo, a assumir a sua sexualidade e posições de liderança. Já vi esse ódio no olhar de homens brutos que não toleram ver mulheres fortes, que assumem suas vidas sem lhes pedir licença.
MARIA CECILIA SÁ PORTO
Mando de campo
Durante grande parte de minha vida recebi esse tipo de auxílio, e achando justo. Como era: a partir de uma primeira transferência da cidade onde se começou a trabalhar faz-se jus ao auxílio por um período de até quatro anos, que era o tempo que se entendia como plenamente adaptado ao novo local. Havendo outra transferência, antes de findar esse tempo, começava nova contagem, inclusive se fosse para a cidade de origem, mas sempre por no máximo quatro anos. Assim parece bastante justo.
VALERIANO DUQUE DE OLIVEIRA
Colunista Em nome da moralidade administrativa, o respeitado ministro Luís Roberto Barroso, do STF, suspendeu, por inconstitucionalidade, diversos tópicos do decreto de indulto natalino editado por Michel Temer. O colunista Reinaldo Azevedo publica um artigo antidemocrático, altamente ofensivo ao Poder Judiciário, chegando ao desplante de propor o impeachment do ministro (“Barroso, candidato ao impeachment”, Poder, 16/3). O que Folha está esperando para decretar o impeachment do colunista?
ZELMO DENARI
Presidente do STF