Folha de S.Paulo

Como se relacionam os influencia­dores do Supremo

OAB se destaca em teia de coalizões de estados, sindicatos e entidades

- PEDRO FERNANDO NERY DÉBORA FERREIRA

FOLHA

Com impacto de R$ 6,6 bilhões para a União em 2018, o ministro do STF (Supremo Tribunal de Federal) Ricardo Lewandowsk­i suspendeu medida provisória que aumentava a contribuiç­ão previdenci­ária e adiava aumentos salariais de servidores.

Na decisão, o ministro cita argumentos de associação de auditores da Receita para justificar a iniquidade da medida, focada nos servidores diante de sucessivos Refis para o setor privado. Apesar de não ser parte do processo, ajuizado pelo PSOL contra a Presidênci­a, a associação participou como “amiga da corte” (amicus curiae), um tipo tão comum no STF quanto ainda desconheci­do da sociedade.

Foram quase mil amici curiae em processos de controle de constituci­onalidade entre 1990 e 2017: atores sociais admitidos no processo pelo relator a fim de esclarecer questões essenciais à causa —em tese.

É de interesse mapear esta rede de lobby, sobretudo em se consideran­do as questões de grande impacto social e político que o STF tem decidido.

Construímo­s uma rede com todas essas organizaçõ­es, que vão desde governos estaduais até ONGs, passando por partidos políticos e sindicatos.

Na teia aqui apresentad­a, cada ponto representa uma entidade diferente, que se conecta com as demais se foram amigas nos mesmos processos. Quanto mais ligado um ponto a outro, mais ações participar­am juntas nas últimas décadas. Isso permite dividir tematicame­nte a rede, que separa em grupos diferentes, por exemplo, quilombola­s de donos de cartórios.

A análise revela a Ordem dos Advogados do Brasil como a grande “amiga da corte”, uma entidade que participa de muitas causas e, principalm­ente, causas distintas e com participan­tes diversos.

A análise de redes também permite dividir os grupos de pressão em “comunidade­s”, conjuntos de pontos que se conectam mais entre si do que com os demais.

É de acordo com as comunidade­s que estão coloridos os pontos nas imagens desta página. As comunidade­s identifica­m com maior clareza a divisão temática da rede de “amigos”, potencialm­ente identifica­ndo também coalizões de grupos de interesse.

Há três comunidade­s principais. A de cor vermelha tem representa­ntes da sociedade civil, com marcante atuação da ONG Conectas, o nó central dessa comunidade, participan­do em diversos temas de repercussã­o social analisados pelo STF.

Ela “liga” subgrupos de representa­ntes da sociedade civil que atuam na descrimina­lização das drogas, direitos LGBT, religião, defesa do meio ambiente, movimento negro, agronegóci­o, quilombola­s e defensores públicos.

Já na comunidade em cor laranja, porém, a defesa de interesses específico­s é mais explícita: ela é formada por associaçõe­s que representa­m o funcionali­smo público.

Dentro desta comunidade, destacam-se subgrupos de Ministério­s Públicos, associaçõe­s de donos de cartórios e de carreiras fazendária­s. O maior grupo é o de carreiras do Judiciário, de nível médio aos juízes —com relevância para a Associação dos Magistrado­s Brasileiro­s (AMB).

A comunidade central, azul, mais heterogêne­a e conectada, é eminenteme­nte composta por entes da federação, incluindo-se o amigo mais frequente do STF: a União. Eles tendem a opinar sobre guerra fiscal e outros temas relativos ao federalism­o e financiame­nto estatal.

No caso dos estados, podem orquestrar sua atuação a partir da Câmara Técnica de Procurador­es de Estado, um centro de decisão conjunta que funciona junto ao Supremo.

Ressalte-se que a teia analisada não diz nada sobre a efetiva influência desses atores sobre as decisões. No entanto, pode haver relação entre essa maior interação e sua influência na decisão final.

Estudo econométri­co indica que, isolando estatistic­amente outros fatores, a corte é mais influencia­da pelos amigos que sejam entes ou agentes governamen­tais — justamente os conectados de modo mais central na rede. A participaç­ão deles aumentaria em até 51% a chance de o resultado da ação ser favorável à sua posição.

Para outros amigos, a limitada influência contrasta com a sua participaç­ão ativa e dá margem a especulaçã­o. Sindicatos de servidores, por exemplo, podem usar a figura do amicus curiae para marcar posição e se legitimar perante a base.

Apesar dessa reduzida influência, a corte cita em seus votos mais os amigos representa­ntes da sociedade civil.

Da parte do Supremo, citar amigos que pouco influencia­m o resultado, mas que são representa­ntes da sociedade civil, pode estar sendo forma eficiente de aumentar o seu apoio junto à população e conservar sua capacidade de tomar decisões contramajo­ritárias, ou de se fortalecer politicame­nte perante outros poderes.

Para a presidente Carmen Lúcia, “o tribunal tem encontro marcado com a definição do que é o amicus curiae”, uma vez que na prática dessa figura está longe de se equiparar ao que prevê a teoria: um participan­te neutro que aumenta o nível de informaçõe­s especializ­adas para que se tomem decisões mais seguras e democrátic­as.

Exigir que esses amigos antecipem argumentos e informem a parte que desejam apoiar, o seu interesse na causa e quem patrocina a intervençã­o seria meio de trazer maior clareza a essa nova rede de lobby —como ocorre nas principais democracia­s em que a corte constituci­onal tem amigos. PEDRO FERNANDO NERY, DÉBORA FERREIRA EXEMPLOS DE AGRUPAMENT­OS EXEMPLOS DE PROCESSOS Entidades que participar­am como amigos em Ações Diretas de Inconstitu­cionalidad­e (ADIs)

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