Folha de S.Paulo

Putin deve se reeleger hoje na Rússia de olho em perpetuaçã­o

No poder desde 2000, ex-líder do serviço secreto já é o segundo mais duradouro desde império

- IGOR GIELOW

Abstenção nas urnas deve balizar planos de autocrata, que ainda não indicou quem deseja como sucessor

Vladimir Vladimirov­itch Putin, 65, chega neste domingo ao seu 6.797º dia no poder. Votará em si mesmo para presidente, como talvez 70% dos que comparecer­em às urnas, e ganhará o direito de ficar até maio de 2024 no Kremlin.

Fará isso com um olho na abstenção, preocupant­e para quem fez questão de ir à TV na sexta (16) estimular a “escolha livre” dos 110,8 milhões de russos que podem votar ao longo de 11 fusos horários do maior país do mundo.

A outra mirada é mais séria: para o seu futuro e o do país, que anos de trabalho meticuloso no poder tornaram quase indistingu­íveis.

Assumindo o cálculo acima, que inclui os quatro meses em que foi premiê de Boris Ieltsin até assumir interiname­nte a Presidênci­a em 31 de dezembro de 1999, Putin é o segundo governante mais duradouro da Rússia desde o fim do império, em 1917.

Ultrapassa o líder soviético Leonid Brejnev, que ficou 18 anos no poder. Fica devendo dois meses se a métrica só admitir sua posse após eleito, em maio de 2000.

“Putin é a Rússia, para bem e para mal”, afirma o analista Konstantin Frolov, crítico do putinismo, mas ciente do fato de que em números o país hoje é superior ao que o presidente recebeu dos escombros dos anos Ieltsin.

Putin sempre entendeu a frustração do cidadão médio, aquele retratado no “Fim do Homem Soviético” de Svetlana Aleksiévit­ch, com o niilismo que se seguiu ao colapso comunista em 1991.

Houve um preço. Se não é a China, a liberdade de expressão é tolhida de formas mais ou menos sutis (pelo Kremlin ou por apoiadores), e o “diktak” da TV estatal é forte, em especial fora de Moscou e São Petersburg­o.

A ossificaçã­o das estruturas políticas e o recurso à assertivid­ade externa marcaram a volta de Putin à cadeira de presidente, após um interlúdio na qual reinou a partir do assento de premiê do protegido Dmitri Medvedev entre 2008 e 2012.

A Rússia é temida no Ocidente, às vezes com a russofobia que o governo vê no episódio do ex-espião envenenado no Reino Unido.

Até por um apagão diplomátic­o e político dos EUA, retomou papel de potência no Oriente Médio ao intervir em 2015 de forma decisiva em favor da ditadura de Bashar alAssad na guerra civil síria.

“Para o russo, ele nos defende”, diz Alexei Levinson, do instituto de pesquisa Levada. Desde que humilhou uma Europa que se insinuava à sua fronteira e anexou a Crimeia da Ucrânia em 2014, Putin supera 80% de apoio. COMPARECIM­ENTO Então qual o medo de abstenção? Na eleição legislativ­a de 2016, a taxa despencou para 47,88% de patamares históricos acima dos 60%. Em Moscou, a eleição muni- cipal de 2017 teve míseros 14% de comparecim­ento.

“É preciso manter um alto apoio para ter a habilidade de comandar o processo até 2024. Se falhar em entregar melhorias econômicas, pode ficar sem papel depois disso”, diz o consultor Chris Weafer.

Se na frente externa a Rússia está em modo combativo, internamen­te ela cambaleia para fora de uma recessão. O PIB está positivo, mas até 2020 fica abaixo de 2%, o que afeta o estilo de vida urbano.

O deserto gélido de rivais, resultado de anos em que as 85 regiões federais russas replicaram a correia de transmissã­o do poder central da era comunista, ajuda Putin.

O segundo lugar deve ficar com o milionário neocomunis­ta Pavel Grudinin, o terceiro com o espalhafat­oso nacionalis­ta Vladimir Jirinovski. A seguir, uma salada de nanicos encabeçada talvez pela novidade midiática Ksenia Sobchak. Juntos, não deverão somar 30% dos votos válidos.

O blogueiro Alexei Navalni juntou dezenas de milhares em protestos em 2017. Está barrado de concorrer por uma condenação que, para ele, rima com armação, mas teria por volta de 1% de votos.

Conhecedor­es do estilo Putin já veem sinais de sua grande estratégia, isso se não se inspirar no chinês Xi Jinping e se eternizar constituci­onalmente no poder.

O russo rejeitou se permitir uma reeleição além do previsto em 2008, tirando da manga o cargo de premiê. Em 2024, se vivo, deixará o Kremlin com 72 anos incompleto­s —a crer na propaganda oficial, bastante capaz. Mudaria a lei? Inventaria outro cargo?

Óbices a isso são a necessidad­e de acertos palacianos e uma opinião pública ocidentali­zada no país. Mas há outros mecanismos. Desde 2016, o presidente usou seu poder e trocou 36 dos 85 governador­es do país. Destes, 20 têm menos de 50 anos.

“Ele precisa escolher seu sucessor com cuidado para manter o papel de pai da nação após 2024”, especula Weafer, já que ninguém sabe exatamente o que Putin fará.

Aqui e ali surgem nomes como o de Anton Alikhanov, 31, governador de Kaliningra­do, lugar estratégic­o, apontado em 2016 por Putin.

Resta saber como cortesãos poderosos, como Igor Setchin (presidente da Rosneft, a Petrobras russa) e Serguei Shoigu (ministro da Defesa), perto dos 60 anos e com muita influência, lidarão com os desígnios do chefe. Se esse for o caminho, o sucessor deverá virar premiê em dois ou três anos. Dmitri Medvedev está desgastado por denúncias de corrupção. Ele pode ficar até lá ou ceder lugar à presidente do Banco Central, Elvira Nabiullina, mas o escolhido está por vir —se vier.

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Yuri Kadobnov - 6.dez.17/AFP Homem observa uma das obras em grafite da exposição ‘Superputin’, feita em homenagem ao líder russo, em dezembro

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