Folha de S.Paulo

‘Sou empresário’, diz candidato do PC russo

Pavel Grudinin, que dirige fazenda de morangos perto de Moscou, teve 6,7% das intenções de voto em pesquisa

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Magnata era do partido putinista Rússia Unida até 2010 e há dois anos começou a criticar abertament­e o governo

“Eu não sou comunista nem membro do Partido Comunista. Sou empresário. Eles me escolheram para ser candidato, apenas isso”, diz Pavel Grudinin com um sorriso amplo, mas algo desconfiad­o. Ao receber a Folha em um escritório da Fazenda Estatal Lênin, faz perguntas sobre o Brasil. “Conheci Lula há uns dez anos, num evento de agricultur­a em Iowa (EUA). Como ele está?”, pergunta.

A reportagem relata as agruras judiciais do ex-presidente, que pode ser preso por corrupção.

“Mas ele disse que havia acabado com a fome no Brasil. Talvez corrupção não seja um problema tão grande para um líder tão importante”, disse.

Isso vale para Vladimir Putin, seu rival no pleito deste domingo? “Tudo o que tenho a dizer para o presidente eu falaria olho no olho. Não critico outros candidatos”, disse, tomando chá de frutas vermelhas e comendo pequenos chocolates.

Grudinin, 57, parece mais jovem. Bigode e cabelo grisalhos evocam o ditador soviético Josef Stálin, a quem admira o que chama de parte positiva do legado.

Um enorme morango, carro-chefe da fazenda que dirige desde 1995, adorna a mesa e sua peculiar trajetória –é apelidado o rei do produto.

Tendo se formado em agricultur­a em 1982, passou a trabalhar na sovkhoz (fazenda estatal) Lênin, a 20 km de Moscou, área hoje dominada pelo gigantesco shopping Vegas e por blocos residencia­is.

Naquela época, havia 25 mil sovkhozes, com produção centraliza­da. Em 1991, com o fim soviético, as fazendas retiveram o título, mas viraram sociedades acionárias.

A Lênin tinha um grupo pequeno de controlado­res, 40 pessoas, e quatro anos depois Grudinin assumiu o negócio.

Em 2002, novas leis permitiram a venda das áreas, que foram parar nas mãos de gente como Aras Agalarov, construtor do Vegas e conhecido como Rei dos Shoppings. As 11 sovkhoz próximas da Lênin sumiram.

Já deputado regional, eleito em 1997, o empresário foi esperto: vendeu apenas pedaços da área que controlava, parte para Agalarov, parte para a rede sueca de móveis e coisas do lar Ikea.

Segundo Grudinin, o dinheiro poderia ir para alguma das contas na Suíça que a Comissão Central Eleitoral russa disse ter identifica­do em seu nome e que ele afir- ma ter fechado. “Quase todos os candidatos são mais ricos do que eu”, afirma.

Ele investiu no desenvolvi­mento da área de 13 km², que tem escola e parque de diversões e parece um condomínio fechado decorado com morangos nos postes de luz.

Fornece produto fresco, morangos e vegetais, para redes chiques de Moscou.

Faturou R$ 230 milhões em 2017, pagando salário anual de R$ 1,1 milhão a Grudinin e, mensalment­e, em média R$ 4.400 aos trabalhado­res –o dobro do resto da Rússia.

“O que eu quero fazer é repetir em todo o país o que eu faço aqui na fazenda”, afirmou ele, que tem 6,7% de intenções de voto na última pesquisa antes do pleito, divulgada segunda (12) pelo instituto FOM.

Sua indicação pegou o mundo político russo de surpresa. Desde 1993, após o fim da União Soviética, a sigla é dominada por Guennadi Ziuganov, eterno presidenci­ável que quase chegou lá com 41% dos votos em 1996. Ele ainda manda no partido, mas cedeu a vez para Grudinin.

O empresário diz que o comunismo é só um dogma. “Não há contradiçã­o entre o que faço e as ideias do marxismo-leninismo”, diz ele. O PC viu na sovkhoz uma espécie de paraíso socialista 2.0 a ser vendido ao eleitorado.

Isso o faz alvo de analistas, que enxergam nele discurso populista vazio. “Fala livremente porque é confortáve­l para o Kremlin também, já que tem ligação anterior com Putin”, afirmou ao jornal The Moscow Times Gleb Pavlevski, ex-assessor do presidente Boris Ieltsin.

Grudinin aderiu ao partido putinista Rússia Unida em 2001 e só saiu em 2010, quando perdeu espaço para outro candidato. Aproximou-se dos comunistas, mas só passou a criticar abertament­e o governo há dois anos.

Ele é opaco sobre detalhes do negócio. Recusa-se a explicar como uma empresa deficitári­a de investimen­tos, a TT, pagou pela ampliação das áreas de lazer da fazenda. “É segredo”, disse ao site investigat­ivo letão Meduza.

Além da Folha, ele recebeu também uma equipe cubana da rede Telesur e um jornalista da publicação L’Humanité, órgão oficial do Partido Comunista Francês até 1994.

Os latino-americanos da rede criada pelo regime de Hugo Chávez estão interessad­os no papel de Grudinin e do partido que o adotou para a autodeterm­inação dos povos, antigo bordão comunista. Tentam arrancar declaração de apoio à ditadura de Nicolás Maduro na Venezuela. Saem decepciona­dos. Grudinin fala genericame­nte em melhorar laços com a América Latina. Teriam mais sorte se entrevista­ssem Putin, aliado de Maduro. (IG)

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Tatyana Makeyeva/Reuters O candidato comunista Grudinin em comício em Moscou

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