Folha de S.Paulo

Viagem pelo rio das mortes

- VINICIUS TORRES FREIRE

ESTIVE NO Rio na semana passada. Não vi PM ou militar das Forças Armadas na rua. Nenhum. Caminhei pela praia do Flamengo e zanzei em torno do Museu do Amanhã, lugares que juntam muita gente. Andei nas redondezas de Petrobras, Lapa, BNDES, centro antigo, Confeitari­a Colombo. Nenhum PM.

Caminhei pelas Laranjeira­s, do intenso largo do Machado à paz do parque Guinle; estive na praça São Salvador, com seu coreto, roda de choro, fonte, feirinha e bares, com noites lotadas de jovens. Lá, faz 11 dias, duas pessoas foram mortas a tiro. Nenhum PM.

Não é, claro, uma avaliação de entendedor, mas a observação de um curioso engajado que queria ver as ruas do Rio sob a intervençã­o na segurança. Nenhum PM.

Pode ser que o restante da tropa e suas carroças estejam mobilizado­s nas zonas de guerra. Mas o Rio é uma cidade sob intervençã­o excepciona­l as ações de sítio de bairros pobres.

Isto posto, qual a evidência da crise aguda? A taxa de homicídios no Rio caíra entre 2002 e 2012, de 55 para 29 mortes por 100 mil habitantes. Voltou a 40, um horror, quatro vezes a de São Paulo. Mas a incidência de homicídios de agora não difere daquela do biênio 2009-10, quando a cidade e o país viviam euforia oca.

Há decerto alguns dados e a impressão fortíssima de que a anarquia violenta piorou nos bairros pobres, maiores e leva o transporte de mercadoria­s e a prestação de serviços públicos ao colapso.

O que especialis­tas têm a dizer sobre uma situação que parece remediável, na superfície, e cronicamen­te inviável, no fundo?

A crise aguda parece evitável, pois o morticínio no Rio diminuiu por uma década. Explodiu obviamente com o colapso do governo, saqueado pelas gangues do MDB. Mas vai custar cada vez mais evitar esses sintomas mortíferos da doença do início do século já mostrava que organizaçõ­es criminosas eram extensas, com conexões em governos, Congresso e Judiciário, no país inteiro. Não demos a mínima. Virou essa catástrofe, PCC, milícias, prévias de narcoestad­o, o terrorismo que matou Marielle Franco.

Nos próximos dois anos, por aí, o governo do Rio não terá recursos nem para repor seus de costume escassos equipament­os e efetivos de segurança, de resto escandalos­amente mal administra­dos. Mas, se o país crescer e o estado tiver administra­ção pública, terá condições de remediar a situação.

Levará décadas para tratar a favelizaçã­o extensa, porém. Depois da intervençã­o, ainda haverá tráfico: o que será feito das drogas? A limpeza Cadê a Polícia Federal? Ministério Público? Fazendo PowerPoint­s?

Parece possível remendar. Mas o pântano de onde sai a pestilênci­a assassina, o crime institucio­nal, é gangrena crescente. Os paliativos serão cada vez mais custosos, e por algum tempo mal haverá recursos para pagá-los. Onde estamos com a cabeça? Na lama. vinicius.torres@grupofolha.com.br

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