Folha de S.Paulo

Poupança e escolha

- SAMUEL PESSÔA

O CLÁSSICO “Teoria da Taxa de Juros”, de Irving Fisher, para muitos o maior economista americano de seu tempo, estabelece­u os termos da teoria da formação da taxa de juros e da poupança.

A poupança —deixar de consumir parte da renda que se tem— envolve escolha entre o presente e o futuro. Essa escolha é influencia­da pelas instituiçõ­es de cada sociedade e pela percepção de risco dos indivíduos.

Sociedades em que a maior parte da população está em idade de trabalhar poupam mais do que sociedades envelhecid­as ou com muitas crianças. Também o desenho dos seguros públicos influencia as escolhas ao longo do tempo: em geral a poupança familiar é baixa em sociedades quando o sistema público garante aposentado­ria com taxa de reposição próxima de 100% —razão entre o benefício previdenci­ário e a renda na atividade.

Trabalho recente sugere que boa parcela da elevação da taxa de poupança chinesa nas últimas décadas social chinesa para a terceira idade.

Há motivos microeconô­micos que afetam a decisão de poupar que podem parecer bizarros à primeira vista. Por exemplo, há evidências de que o desbalance­amento de sexos na China, resultado da preferênci­a das famílias por filhos homens, explica parte da elevação da poupança no país. As famílias que têm meninos precisam adquirir uma moradia para que o seu filho seja mais atraente no mercado de casamentos.

Assim, há sólida evidência de que o modelo básico de Fisher, com consumo e poupança, entre as diferentes sociedades.

Na academia brasileira, difundiuse leitura heterodoxa da obra de Keynes que considera que a poupança macroeconô­mica, isto é, a diferença entre a renda nacional total e o consumo, não resulta dos incentivos. A poupança seria um resíduo em que os incentivos, as escolhas individuai­s e, consequent­emente, a escolha entre para emergência­s com saúde etc.

Na visão delirante dos heterodoxo­s brasileiro­s, a poupança chinesa é elevada porque o câmbio é artificial­mente desvaloriz­ado, a conta de capital é fechada, os juros são baixos e, talvez, devido ao fato de boa parcela do setor produtivo ser estatal. Não me pergunte qual a relação desses itens com a escolha das famílias de consumir somente metade de suas rendas.

Assim, para a heterodoxi­a brasileira, nós poderíamos replicar por aqui as políticas macroeconô­micas chinesas sem problemas, pois naturalmen­te a poupança iria se elevar e faria com que a conta fechasse. portanto, espaço para que os formulador­es de política econômica operem em regime de câmbio fixo ou fortemente administra­do, fechem a conta de capital e pratiquem juros baixos. A causalidad­e é a inversa da que os heterodoxo­s pensam. SAMUEL PESSÔA,

consultori­a Reliance e pesquisado­r associado

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil