Folha de S.Paulo

País está entre líderes em mortes de defensores de direitos humanos

Relatórios de instituiçõ­es internacio­nais colocam o Brasil entre os mais perigosos a ativistas

- FERNANDA MENA

Os que denunciam violência da polícia estão entre os mais ameaçados; faltam programas de proteção

O Brasil é um dos países mais perigosos do mundo para defensores de direitos humanos, área central na atuação política da vereadora Marielle Franco (PSOL), cujo assassinat­o na última quarta (14) gerou comoção nacional.

Relatórios de 2017 da Anistia Internacio­nal, da Comissão Interameri­cana de Direitos Humanos e da ONG Front Line, que monitoram direitos humanos no planeta, colocaram o Brasil entre os quatro líderes globais em homicídios de ativistas, ao lado de Colômbia, Filipinas e México.

Segundo a Comissão Interameri­cana, ligada à Organizaçã­o dos Estados Americanos (OEA), três a cada quatro assassinat­os de defensores de direitos humanos no mundo acontecera­m na América Latina em 2016, concentrad­os no Brasil e na Colômbia.

Naquele ano, 66 defensores foram assassinad­os por aqui —um a cada cinco dias, em média—, segundo o Comitê Brasileiro de Defensores e Defensoras de Direitos Humanos. Em 2015, foram 56.

“Há um aumento evidente da violência contra quem luta por direitos no país, apesar da subnotific­ação dos casos”, diz a advogada Layza Queiróz Santos, que integra o comitê.

“O caso de Marielle é emblemátic­o porque trata-se de uma mulher em ascensão na política e com visibilida­de, o que deveria protegê-la”, diz.

A grande maioria dos defensores mortos no país atuava em conflitos na zona rural, ligados ao direito à terra e à proteção do meio ambiente.

Segundo o último relatório da organizaçã­o Global Witness, que monitora o trabalho de ambientali­stas pelo mundo, o Brasil é campeão na morte desses ativistas. “Há anos o Brasil é o pior lugar do mundo para quem defende a terra e os recursos naturais. Essas pessoas, especialme­nte na Amazônia, estão sendo mortas em números recordes”, diz Billy Kite, da Global Witness.

A execução de Marielle, no entanto, é retrato também de fenômeno recente, urbano, que tem se intensific­ado na América Latina: a morte de ativistas ligados a pautas de exclusão e discrimina­ção.

“Há tendência de cresciment­o de crimes contra quem milita em causas ligadas a racismo, questões de gênero, violência policial e defesa de populações marginaliz­adas”, afirma Viviana Krsticevic, diretora do Centro pela Justiça e Direito Internacio­nal.

“Defensores de direitos humanos que denunciam violência policial têm sido especialme­nte ameaçados”, diz Jurema Werneck, diretora-executiva para o Brasil da Anistia Internacio­nal. A falha no amparo institucio­nal tem levado a Anistia a buscar a ajuda de organizaçõ­es da sociedade civil para proteger as pessoas.

Em ao menos três casos, ativistas que denunciava­m a violência policial no Complexo do Alemão e em Acari tiveram de ser retirados das comunidade­s em que viviam.

Em um contexto em que a Polícia Militar do Rio tem provocado mais mortes do que nunca —em janeiro deste ano, foram 154 mortos em decorrênci­a de intervençã­o policial, recorde da série histórica iniciada em 1998—, é de se esperar que aumentem as denúncias de defensores, assim como as ameaças a eles. PROTEÇÃO O Rio de Janeiro, bem como outros 22 estados do país, não tem um programa de proteção a defensores de direitos humanos, presentes hoje apenas em Minas Gerais, Maranhão, Ceará e Pernambuco.

O país criou uma Política Nacional de Proteção de Defensores de Direitos Humanos por decreto em 2007 e mantém um programa que atende hoje a 376 brasileiro­s ameaçados por sua militância.

Medidas protetivas podem incluir de câmeras e rondas de monitorame­nto a, em casos extremos, escolta e realocação temporária do defensor.

Organizaçõ­es da socieda- de civil avaliam o programa federal de proteção como tímido e pouco eficaz. Além de proteger a pessoa ameaçada, a iniciativa precisaria agir nas causas da ameaça, investigan­do autores e provocando os órgãos responsáve­is a dar solução aos problemas.

Entre os ativistas vitimados em 2016, a Anistia Internacio­nal identifico­u casos em que ameaças prévias foram reportadas às autoridade­s, mas não ensejaram investigaç­ões eficazes nem medidas protetivas. “São situações em que o estado foi, no mínimo, omisso”, diz Renata Neder, coordenado­ra de pesquisa da Anistia.

Para além do relativo desprestíg­io da área de direitos humanos no país, a alta taxa de impunidade dos homicídios é ingredient­e determinan­te do aumento dos atentados contra a vida de defensores.

Há quase dez anos tramita na Câmara um projeto de lei que institui um programa federal de proteção a defensores de direitos humanos ao mesmo tempo em que fomenta a criação de versões nos estados. “Sem apoio dos governos locais é muito difícil a União monitorar os casos e fazer intervençõ­es eficientes” diz Fernando Matos, coordenado­r do programa de proteção federal entre 2007 e 2010.

O PL 4575/2009 foi aprovado em todas as comissões da Casa e está pronto para votação em plenário desde 2011.

“Não existe trabalho de defensor de direitos humanos com ameaça zero, e precisamos fortalecer a proteção a essas pessoas”, diz Raiana Falcão, atual coordenado­ra do programa no Ministério dos Direitos Humanos. Área de militância dos protegidos* 29% Terra Por região (mar.2018) 13% Meio ambiente 6% 14% Famílias Outras ribeirinha­s

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Miguel Schincario­l - 15.mar.2018/AFP Em ato na quinta-feira (15) em SP, manifestan­te cobra punição a responsáve­is pela morte da vereadora Marielle Franco

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