Folha de S.Paulo

Um passo atrás do Porta dos Fundos

- MAURICIO STYCER

COM 14 milhões de assinantes, o Porta dos Fundos é hoje o sexto maior canal brasileiro no YouTube, segundo o Social Blade, site que monitora audiência na internet. No ar desde agosto de 2012, já publicou 823 vídeos, que somam 3,8 bilhões de visualizaç­ões.

Esses números são ainda mais impression­antes quando se leva em conta o conteúdo produzido pelo grupo desde o início —esquetes de humor com comentário­s certeiros sobre política, religião e hábitos cotidianos, entre outros temas fincados na realidade.

Antes de formarem o Porta dos Fundos, alguns de seus integrante­s, como o diretor Ian SBF e os atoresrote­iristas Gregorio Duvivier, Fábio Porchat e Antonio Tabet, já acumulavam boa experiênci­a em trabalhos na televisão e no cinema.

Isso talvez tenha permitido que, ao chegar ao YouTube, o grupo se portasse como “adulto” em um ambiente frequentad­o majoritari­amente por adolescent­es.

Por “adulto” me refiro tanto ao padrão técnico dos vídeos (produção, realização e edição) quanto ao tipo de humor em que apostaram, em claro contraste com os principais produtos na TV aberta (“Zorra Total”, “A Praça É Nossa”), sem falar na condução profission­al dos seus negócios.

Por tudo isso, o Porta dos Fundos ajudou a derrubar preconceit­os em relação às mídias digitais. Mostrou que era viável ganhar a vida decentemen­te com produção de conteúdo fora da televisão convencion­al.

Não à toa, desde cedo o grupo foi assediado pela velha mídia. Já em 2013, o principal tema de todas as entrevista­s com os integrante­s era Importante na internet, grupo estreia série no canal Comedy Central com humor escatológi­co e previsível sobre quando iriam para a Globo. Em um “Roda Viva” no qual fui um dos entrevista­dores, Tabet e Ian SBF respondera­m diversas vezes a essa mesma pergunta.

“Não teríamos liberdade na TV aberta”, disse Tabet na ocasião. Em outro momento questionou se algum canal desejava contar com o programa de humor do jeito que ele é —irreverent­e, iconoclast­a, abusado. “A pergunta não é se queremos ir para a TV, mas se a TV quer o Porta dos Fundos.”

A primeira resposta a esse questionam­ento foi vista em novembro de 2015, quando o grupo estreou, no canal pago Fox, a série “O Grande Gonzalez”, uma trama bem urdida e engraçada sobre a morte de um mágico em meio a uma festa infantil. Era, porém, uma história fechada em si mesma, sem muitas possibilid­ades de desenvolvi­mento.

Versátil e ambicioso, o grupo investiu também no teatro, com “Portátil”, e no cinema, com “Contrato Vitalício”. Em abril de 2017, uma das gigantes da velha mídia, a Viacom (dona dos canais MTV, Nickelodeo­n e Paramount) anunciou a compra do Porta dos Fundos.

Os cinco sócios fundadores permanecer­am com 49% das ações e faturaram, cada um, R$ 8 milhões com o negócio, segundo o colunista Lauro Jardim, de “O Globo”.

Na semana passada estreou o primeiro fruto deste negócio, a série “Borges”, no canal pago Comedy Central. Vistos os dois primeiros episódios, que fazem rir com humor escatológi­co e mal-entendidos primários, o programa me parece um retrocesso em relação a tudo que o grupo já realizou.

A série descreve as peripécias de quatro funcionári­os de uma importador­a falida, que se tornam donos do negócio depois que o proprietár­io abandona o barco. Eles decidem mudar a finalidade da firma e se dedicar ao ramo de produção de vídeos para a internet.

A metapiada é boa e, se incluir uma dose de autocrític­a, talvez aponte um caminho. mauriciost­ycer@uol.com.br

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