Folha de S.Paulo

Ricky Gervais leva seu humor provocador à Netflix

- TONY GOES TONY GOES TETÉ RIBEIRO

“O Negócio” chega à quarta e última temporada brandindo algumas conquistas importante­s. Além de ser a primeira série dramática brasileira produzida para um canal pago a durar tanto tempo no ar (ao todo, serão 51 episódios), ela também estreia neste domingo (18) em cerca de 50 países, pela HBO.

Existe uma outra façanha digna de nota: elenco e equipe criativa mantiveram-se praticamen­te os mesmos, desde o início da produção. Isso é raro mesmo em seriados internacio­nais. Apenas dois diretores, Michel Tikhomirof­f e Júlia Pacheco Jordão, assinaram todos os capítulos.

Essa constância deu a “O Negócio” a chance de ir se aperfeiçoa­ndo. É nítido o salto de qualidade que a série deu ao longo dos anos. Os tempos mortos e o ritmo meio frouxo que prejudicar­am a primeira fase já não existem mais.

O primeiro episódio da quarta temporada, então, é quase uma “sitcom”. A história retoma do ponto em que parou: Karin (Rafaela Mandelli), a garota de programa que usou técnicas de marketing para construir um império de marcas de luxo a partir da prostituiç­ão, resolve que está na hora de lançar sua autobiogra­fia.

Antes disso, tanto ela como seus sócios na empreitada — as “colegas” Luna (Juliana Schalch), Magali (Michelle Batista) e Mia (Aline Jones), além do cafetão Ariel (Guilherme Weber, em composição divertidís­sima)— precisam revelar para suas famílias no que realmente trabalham.

O resultado é um capítulo composto de idas e vindas em chave cômica, repleto de malentendi­dos e reações inusitadas. Apenas a conversa que a própria Karin tem com sua mãe não resvala para o humor.

O que também é coerente com a personagem: apesar de ser a líder do grupo, a séria Karin sempre foi a única angustiada por exercer a profissão mais antiga do mundo.

Na verdade, leveza nos diálogos e sofisticaç­ão em figurinos e cenários foram o que deram personalid­ade a “O Negócio”.

A série, que nunca se propôs a ser um retrato realista do mundo da prostituiç­ão, foi aos poucos se transforma­ndo em uma fantasia beirando o delírio, onde garotas de programa lançam ações na Bolsa de Valores e uma única noite de prazer custa uma pequena fortuna.

Nada contra: televisão também é escapismo. Para quem quiser se indignar, existem documentár­ios sobre a realidade sórdida dos bordéis.

Além do mais, “O Negócio” não deixa de passar uma mensagem de empoderame­nto feminino. As quatro protagonis­tas são donas de seus corpos, capazes de usar em benefício próprio as regras de um mundo machista. Mais uma façanha consideráv­el.

Assistir a um stand-up de Ricky Gervais é garantia de ao menos duas coisas: risadas e vergonha alheia.

O provocador master volta a falar sobre suas piadas polêmicas, não pede desculpa por nada e, mesmo quando finge explicar por que uma piada não era preconceit­uosa, faz isso tirando sarro de tudo e de todos no caminho.

“Humanidade”, seu primeiro show do gênero desde “Science” (2010), mostra um comediante em pleno domínio de seus talentos.

É bem escrito e bem atuado. Curto, 79 minutos apenas, não perde tempo em provar que ele está ali para entreter, mas à sua maneira, sem autocensur­a e sem acenos ao politicame­nte correto.

Ele começa o show falando de um de seus assuntos de predileção: animais. Diz que acha que Deus inventou as funções que cada raça de cachorro ia ter logo no começo da criação do Universo.

Labradores vibram quando recebem a notícia de que vão ter que trazer patos mortos para os seus donos caçadores. Já os rhodesian ridgebacks ficam bem menos empolgados quando Deus conta que eles vão caçar leões.

Fala da vida pessoal também, conta como é ser um novo milionário e por que ele e a namorada, Jane, com quem vive há muitos anos, decidiram não ter filhos: superpopul­ação e investimen­to sem garantia de retorno.

Tem muitas piadas boas (“meu cérebro reconhece antes de mim que uma peruca entrou em um ambiente onde estou”). Mas o espetáculo diz a que veio quando Gervais tenta explicar que as piadas que fez com Caitlyn Jenner na apresentaç­ão do Globo de Ouro de 2016 não eram preconceit­uosas.

Ele diz que foi vítima de um tipo de reação na mídia e na internet que despreza, —mas na verdade parece se deliciar com ela.

Foi acusado de “deadnaming” (“chamar pelo nome morto”) a transexual, quando diz à plateia que fique calma, que ele não vai ser tão provocador, mudou muito —mas não tanto quanto Bruce Jenner.

Depois volta a cutucá-la dizendo que, depois de virar mulher, não fez um bom trabalho para representa­r as mulheres no trânsito —Caitlyn Jenner esteve envolvida em um acidente fatal e foi acusada de ter sido beneficiad­a pela Justiça por sua condição de celebridad­e.

Gervais usa a dissecação de cada detalhe das piadas para fazer quase um estudo sobre a ofensa e concluir que, nessas situações, só perde quem se sente ofendido.

Ele faz piadas dizendo que jamais falaria tal tipo de coisa, porque entende a diferença entre o foco e o conteúdo de uma gag. Mas faz o oposto do que promete, em uma sequência muito divertida e tensa ao mesmo tempo.

Outro foco de atenção são os tuiteiros com quem briga. Ele conta brevemente as trocas de mensagens, chega a uma especialme­nte irritante que recebeu e conclui: “Eu devia ter deixado por isso mesmo”. O que, é claro, não faz; parece fixado em ter a última palavra. E sempre tem a mais engraçada. NA INTERNET Humanidade na Netflix muito bom

 ?? Fotos Divulgação ?? A atriz Rafaela Mandelli, que interpreta Karin, em cena na série ‘O Negócio’, da HBO
Fotos Divulgação A atriz Rafaela Mandelli, que interpreta Karin, em cena na série ‘O Negócio’, da HBO

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil