Música com muitos pais
RIO DE JANEIRO - Uma entrevista recente num jornal do Rio sobre o compositor Claudio Santoro (191989) qualifica-o como “um dos precursores da bossa nova”. Amigo de Vinicius de Moraes em Paris em 1956-57, Santoro musicou 13 poemas de Vinicius a convite deste, e o resultado teria saído “bem bossa nova, que [só] seria criada um ano depois”. É possível. A bossa nova tem muitos precursores.
Aliás, só tem. Uma busca no Google ao cantor e compositor francês Henri Salvador (1917-2008) mostrará Salvador cantando seu bolero “Dans Mon Île” no filme “Europa de Noite” (1959) e, sob a rubrica “The birth of the bossa nova”, sua ousada declaração de que Tom Jobim tirou dele as ideias para a nova música. Outro vídeo, este com o show em homenagem a Jobim em São Paulo, em 1993, mostra o cantor americano Jon Hendricks, antes de cantar sua paupérrima letra (“No More Blues”) para “ChegadeSaudade”,dizendo:“Aqui vai a que começou tudo ” —como se tivesse começado com ele.
Um LP de 1954, “Braziliance”, do violonista brasileiro radicado nos EUALaurindoAlmeida(1917-95)com o saxofonista Bud Shank, foi brandido no passado como sendo “bossa nova” antes de Jobim e João Gilberto. E, quanto a João Gilberto, nunca faltou quem o reduzisse a imitador de Chet Baker (1929-88), porque, antes dele, Chet já cantava baixinho e macio. Eu iria ainda mais longe: João Gilberto pode ter se inspirado em dezenasdeoutrosquecantavambaixinho e macio antes de Chet.
Na verdade, é possível “escutar” bossa nova em inúmeros cantores, compositores, músicos e arranjadores, clássicos e populares, brasileiros e estrangeiros, a partir de 1902. Já me convenci até de que a bossa nova nunca foi inventada. Ela sempre existiu.
Mas quem a descobriu, e aí não tem jeito, foram mesmo Tom Jobim e João Gilberto. MARCOS LISBOA