Folha de S.Paulo

Prisão de bispo e padres abala fiéis e altera rito de missa

Em Formosa (GO), onde grupo é suspeito de desviar ao menos R$ 1,5 mi de dízimos e doações, clima é de decepção

- CLEOMAR ALMEIDA

Escândalo repercutiu no Vaticano, que nomeou substituto e abriu investigaç­ão própria sobre o caso FOLHA,

O silêncio na catedral de Formosa, a 280 km de Goiânia, faz lembrar a Quaresma, período de oração e penitência que antecede a Páscoa. Na última semana, porém, o que tirou as palavras de religiosos e fiéis no local foi a prisão do bispo dom José Ronaldo Ribeiro, 61, suspeito de comandar o desvio de ao menos R$ 1,5 milhão de dízimos e doações da diocese, na região mais pobre de Goiás.

Centenas de cabeças de gado, duas caminhonet­es, relógios, joias e quase R$ 160 mil em espécie, parte deles escondida em um fundo falso de um armário, estão entre os bens apreendido­s que faziam parte do patrimônio paralelo fruto do roubo, segundo o Ministério Público estadual.

Além do bispo, foram presos na Operação Caifás, realizada na última segunda-feira (19), oito pessoas: o vigário-geral da diocese, monsenhor Epitácio Cardozo Pereira, o juiz eclesiásti­co Thiago Wenceslau, três padres e dois supostos laranjas.

O escândalo repercutiu no Vaticano e fez o papa Francisco intervir. Ele nomeou o arcebispo de Uberaba (MG), dom Paulo Mendes Peixoto, como substituto temporário de Ribeiro, que não voltará a ocupar o posto na diocese.

Constrangi­dos, outros padres da diocese não conseguem esconder a decepção. Na missa da noite de quartafeir­a (21), a oferta foi recolhida normalment­e, fila por fila, por duas religiosas, cada uma segurando uma caixa nas mãos. Entretanto, o padre Nailton Almeida Correa não fez a homilia (pregação).

Após ler um trecho do evangelho de João, segundo o qual “todo aquele que comete pecado é escravo do pecado”, Correa apenas voltou ao seu assento. Ficou em silêncio por dois minutos diante das 60 pessoas que estavam na catedral, cuja capacidade é para mais de mil pessoas. “Neste momento, há multiplici­dade das palavras”, disse o padre à reportagem.

Frequentad­or da igreja, o auxiliar de serviços gerais Francisco José Cardoso, 48, disse estar abalado. “Mas tem que investigar bem para saber a verdade antes de julgar.”

Um servidor aposentado de 62 anos, que não quis ser identifica­do,contouques­empre entregou o dízimo. “Vou continuar entregando. A minha devoção não depende de padre ou de bispo, mas estou chocado”, disse.

O esquema de corrupção na diocese ocorre, pelo menos, desde 2015, segundo a investigaç­ão. O bispo Ribeiro assumiu a diocese no final de 2014. No mesmo período, segundo a investigaç­ão, o padre Moacyr Santana, 53, um dos seis padres denunciado­s, usou dinheiro da igreja para comprar uma casa lotérica em Posse, e colocou-a em nome de dois laranjas.

Segundo a denúncia, o desvio ocorria nas paróquias mais rentáveis, com apoio dos padres responsáve­is por elas. Para o promotor Douglas Chegury, a prática servia como aval para eles se manterem à frente delas. OUTRO LADO O advogado Ulisses Borges Resende, que defende o bispo, não quis dar entrevista.

Um dos advogados que defende o vigário-geral e padres acusados, Bruno Opa disse que “a inocência de todos será provada”. Sobre aquisição de uma casa lotérica onde, segundo a denúncia, os boletos da igreja eram pagos para favorecer o esquema, Opa disse que um dos padres acusados emprestou o dinheiro para os seus “filhos de coração” adquirirem o estabeleci­mento e quitarem a dívida quando pudessem.

Os contatos dos advogados dos demais acusados não foram localizado­s. As provas da investigaç­ão serão compartilh­adas com a Igreja Católica, que abriu apuração própria.

 ?? Pedro Ladeira - 21.mar.2018/Folhapress ?? Catedral Nossa Senhora da Imaculada Conceição, em Formosa (GO)
Pedro Ladeira - 21.mar.2018/Folhapress Catedral Nossa Senhora da Imaculada Conceição, em Formosa (GO)

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