Folha de S.Paulo

ANÁLISE Itália ilustra dificuldad­e europeia em formar governos nos últimos dez anos

- ADRIÁN ALBALA

FOLHA

Três semanas se passaram desde as eleições italianas, e nenhum analista político ou a melhor vidente do mundo seriam capazes de prever quem ocupará o Palazzo Chigi, sede do governo italiano.

O resultado das eleições evidenciou uma situação de quase empate, na qual a coalizão da centro-direita com a extrema-direita saiu em primeiro com 37% dos votos, e o Movimento Cinco Estrelas, em segundo (mas primeiro partido individual), com 32%.

Na sequência, vem a centro-esquerda, com 22,9%. Portanto,nenhumafor­çapossui apoio suficiente para formar um governo, e nenhuma dessas forças parece disposta a negociar uma coalizão.

Em outras palavras, a Itália encontra-se em um impasse político cuja saída mais provável deveria ser a realização de novas eleições. Nada garante que nelas não se repita o cenário. Sendo assim, o país fica sem governo ativo.

Essa indefiniçã­o governamen­tal parece, por certo, repetir-se no cenário político europeu como um todo.

Nos últimos dez anos, a própria Itália experiment­ou, em 2013, uma situação parecida, bem como Bélgica (em 2010 e 2014), Grécia (2014-15), Espanha(2016-17),ReinoUnido (2010 e 2017) e Alemanha (2017-18), entre outros.

Em alguns casos, como nos de Grécia e Espanha, foi necessária a repetição das eleições. Na Bélgica, em 2010, o processo de negociação durou quase um ano e meio, deixando o país sem governo em plena crise econômica.

Inclusive, nos casos nos quais o processo não foi tão demorado, como no Reino Unido e na Alemanha, o governo que emergiu se formou a contragost­o dos interesses e vontades do eleitorado.

Por exemplo, nas últimas eleições na Alemanha, a CDU e o SPD assegurara­m durante a campanha que não voltariam a formar um governo de grande coalizão, e eis que três meses depois da votação eles se viram forçados a se juntarem novamente!

Todos esses casos constituem desafios cruciais à questãodap­restaçãode­contas,tão central para a democracia.

A incapacida­de crescente em identifica­r futuros governos torna imprevisív­el a ação do futuro governo, dificultan­do a responsivi­dade do sistema político com a cidadania.

Ao mesmo tempo, essa situação produz um esvaziamen­to da função primária da eleição, que consiste na seleção de um governo.

Isso pode ter como efeito um desinteres­se crescente dos cidadãos pelo processo eleitoral, ou incentivá-los a abraçar posturas mais radicais (mais identificá­veis).

Em suma, o que esses casos têm em comum? Todos são sistemas parlamenta­res. Se esse regime é considerad­o como mais flexível na saída de crises, é bom lembrar que um mandato, ademais de um fim, precisa de um início. ADRIÁN ALBALA

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Alberto Pizzoli - 6.mar.2018/AFP Luigi di Maio, líder do 5 Estrelas, comemora após eleição

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