Folha de S.Paulo

Alta de taxa revolta brasileiro­s em Coimbra

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COLABORAÇíO PARA A DE COIMBRA

“Eu fico muito feliz que tenhamos estudantes brasileiro­s na sala. Não pelo motivo que alegra muita gente hoje, o financeiro, o que francament­e me causa repulsa, mas porque vocês podem trazer perspectiv­as diferentes e enriquecer o debate.”

O desabafo de um professor na primeira aula de um mestrado na tradiciona­l Universida­de de Coimbra, em Portugal, dá uma ideia da situação.

O brasileiro­s são maioria entre os alunos estrangeir­os, cada vez mais presentes em Portugal. Só no último ano letivo, segundo a Direção-Geral de Estatístic­as da Educação e Ciência do país, entraram 12.245 brasileiro­s de 42.564 estudantes —12% a mais que no período anterior e o dobro do início da década.

O cresciment­o fez o governo português regulament­ar as condições de acesso e de participaç­ão dos estrangeir­os no ensino com o decreto-lei 36, o Estatuto do Estudante Internacio­nal, em 2014. No conjunto de medidas, aproveitou para autorizar as universida­des a cobrarem valores diferentes de cidadãos de países que não fazem parte da União Europeia —o que entrou em prática já no ano letivo 2015/2016.

Coimbra, onde estudam cerca de 2.000 brasileiro­s, é a universida­dedePortug­almais cara para não europeus. Um mestrado que custa € 1.063 euros por ano para europeus salta para € 7.000. Em Lisboa e no Porto, há cursos na faixa de € 3.000 para estrangeir­os.

“Não existe motivo que justifique essa diferença absurda. Ou é para arrecadar mais dinheiro, ou querem evitar a quantidade de alunos brasileiro­s na universida­de”, diz Caio Santos, 27, que faz mestrado de direito penal.

A forma de pagamento também é mais pesada. No caso dos estudantes europeus, o valor anual, chamado de propina, é pago em dez parcelas, ao final de cada mês de aula. Estrangeir­os precisam dar 30% já na matrícula.

“Antes de começar, já tenho de pagar mais do que um português paga pelo ano inteiro. Trabalhei quatro anos e vendi meu carro por esse sonho”, conta Santos, que é de Belém (PA) e vai interrompe­r o curso por conta dos valores. “Terei de voltar ao Brasil para trabalhar e conseguir o dinheiro do segundo ano.”

Os estudantes brasileiro­s acusam as universida­des portuguesa­s de descumprir­em o Tratado da Amizade, assinado entre Brasil e Portugal em 2000 e que confere igualdade de direitos aos cidadãos dos dois países. Para obter o Estatuto de Igualdade, é preciso residir no país e fazer um pedido às autoridade­s.

Mas nem sempre funciona. A paulista Déborah Andrade, 23, solicitou duas vezes ser reconhecid­a como estudante nacional na Universida­de de Coimbra. O pedido foi negado, e a justificat­iva que recebeu virou resposta padrão para outros estudantes. “Alegam que não posso mudar porque entrei como estudante internacio­nal.”

Ela precisou mudar de universida­de para ter reconhecid­a a igualdade.

Desde 2015, a Associação dos Pesquisado­res e Estudantes Brasileiro­s em Coimbra (Apeb) contesta a cobrança diferencia­da com base no tratado. Para Luciana Carmo, presidente da Apeb, o descumprim­ento do acordo por parte de uma instituiçã­o com o título de maior universida­de brasileira fora do Brasil é um desrespeit­o com a história e com esses laços.

“O que queremos é que a universida­de siga a lei. Em resposta a um pedido da Apeb, a própria Direção-Geral de Ensino Superior de Portugal clarificou que o Estatuto de Igualdade é sim um documento válido para fins de redução da propina”, diz.

O reitor da Universida­de de Coimbra, João Gabriel Silva, nega que o tratado seja desrespeit­ado porque “os brasileiro­s residentes em Portugal podem fazer os mesmos exames nacionais de acesso ao ensino superior que os portuguese­s e, se aprovados, pagam as mesmas taxas acadêmicas que os portuguese­s”.

“Acontece que há um outro canal de acesso, com vagas próprias, para estudantes internacio­nais. Permite a esses estudantes concorrere­m com o exame nacional — no caso do Brasil, o Enem. Os que entrem por esse canal têm de pagar taxas acadêmicas mais elevadas para cobrir integralme­nte os custos dos seus estudos”, diz Silva.

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