Governo português usa emenda em decreto para legitimar cobrança diferenciada
FOLHA,
O decreto-lei 36/2014, no artigo 3º, estabelece que “os estudantes que ingressem no ensino superior ao abrigo do disposto no presente diploma mantêm a qualidade de estudantes internacionais até o final do ciclo de estudos”.
Há exceção no texto da lei apenas para a aquisição de nacionalidade no meio do caminho, sem menção ao Estatuto de Igualdade. Deste vácuo vem a queda de braço entre as universidades, que citam a regulação portuguesa, e os estudantes, que dizem que o Tratado da Amizade está acima do decreto no ordenamento jurídico.
No entanto, uma manobra que lembra os “jabutis” das medidas provisórias brasileiras —emendas sem relação ao texto principal da lei— pode dar mais força às universidades na disputa.
Para a Associação dos Pes- quisadores e Estudantes Brasileiros em Coimbra (Apeb), um dispositivo que visa legitimar a “cobrança discriminatória” foi colocado “sorrateiramente” em uma proposta de alteração do DL 36 apresentada pelo Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior português.
O decreto-lei 55/2018, em fase de discussão pública, inclui medidas relativas a refugiados, mas adiciona a ressalva: “ainda que, durante a frequência do ciclo de estudos, lhes venha a ser concedido o estatuto de igualdade de direitos e deveres ao abrigo de convenção internacional outorgada pelo Estado português e o Estado da nacionalidade do estudante”.
“Provavelmente em consequência da repercussão pública de nossa ação, a proposta permite que as propinas [taxas acadêmicas] superiores sejam aplicadas aos estudantes que ingressaram previamente pelo regime internacional, mesmo que estes tenham reclamado o estatuto de igualdade a posteriori. É, na prática, impedir que os direitos de igualdade sejam concedidos”, afirma Luciana Carmo, presidente da Apeb.
Para o reitor da Universidade de Coimbra, João Gabriel Silva, a proposta do governo português “apenas vem clarificar o que a lei já dizia”.
SegundoOtavioLuizRodrigues Junior, professor de direito internacional da USP (Universidade de São Paulo), a cobrança diferenciada é irregular. “Há um princípio de reciprocidade que vem sendo observado pelo Brasil em relação aos portugueses, como a todos os estrangeiros.”
As instituições brasileiras não fazem distinção de nacionalidade para a cobrança. Na USP, por exemplo, que é pública, o custo é zero.
O Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior português não respondeu aos contatos da reportagem. (RR)