Folha de S.Paulo

Aos 79, empresário dribla ELA com equipe e vida ativa

Pacientes com esclerose lateral amiotrófic­a sobrevivem entre 3 e 5 anos

- JAIRO MARQUES

DE SÃO PAULO

Uma vida intelectua­l ativa, a vontade de seguir vivo e o suporte da família, de médicos e de terapêutic­as é caminho para driblar a expectativ­a de vida, projetada entre 3 e 5 anos, para pessoas com diagnóstic­o de ELA (esclerose lateral amiotrófic­a).

Pelo menos é isso o que pensa e defende o empresário Carlos Eduardo Uchôa Fagundes, 79, que convive com a enfermidad­e há 12 anos.

Exibindo extremo bom humor e resiliênci­a, o multiprofi­ssional —ainda ocupa vários cargos em conselhos institucio­nais— mantém raros movimentos nos braços, é cadeirante e depende de uma equipe, ao custo de R$ 30 mil mensais, com oito auxiliares, para tocar o dia a dia.

Chama a atenção, porém, que Carlos não tenha traqueosto­mia —abertura feita no pescoço para permitir a respiração, mas que impede a fala—, comum em pessoas com ELA em estágio avançado e que vão perdendo a autonomia dessa função.

Desde que recebeu o diagnostic­o, ele faz fisioterap­ia respiratór­ia quase todos os dias e usa uma espécie de máscara, atada a um respirador mecânico, que o mantém bem oxigenado.

Aliado a isso, ele é um dos poucos brasileiro­s a ter feito uma cirurgia de implantaçã­o de uma espécie de marcapasso no diafragma, ao custo de R$ 250 mil, o que otimiza sua respiração.

“Mesmo todo escangalha­do assim, faço muitas coisas. Minha cabeça não para. A cada vez que a doença me tira um movimento, uma função, fico mais inteligent­e. A energia vai toda para o meu cérebro, tenho certeza”, diz.

Para ele, a aceitação das consequênc­ias da ELA, o que passa por um processo de dependênci­a total, é essencial para se manter bem e motivado. Nesse momento da entrevista, seu cuidador, Marcos, entra no quarto e lhe serve café, na boca, de canudinho.

“Quando me deitam na cama [ele tem um elevador hidráulico para as transferên­cias da cadeira de rodas], às vezes, fico até 12 horas na mesma posição. Não me permito ficar irritado, nervoso. Aceito como um ensinament­o, como um processo de cresciment­o íntimo.”

E segue rindo de si mesmo, logo após ter notado que tinha babado um pouco de café na camisa do pijama azul: “Fui, durante muitos anos, alguém que se achava muito poderoso, um pouco altivo, um pouco soberbo, um pouco orgulhoso e vaidoso. Agora, estou aprendendo a ser mais humilde, a ser menos intransige­nte”.

O apoio da família é também alicerce apontado pelo empresário como sua força de sustentaçã­o. Ele é casado há 51 anos e pai de três filhos, Patrícia, Carlos e Paula. OS ASTROS São poucas, mas curiosas, as semelhança­s entre a vida de Carlos Uchôa e a do astrofísic­o inglês Stephen Hawking, morto no último dia 14, aos 76 anos, também paciente da ELA, com a qual conviveu durante cinco décadas.

Não desejar a morte, enfrentar a doença na velhice e a paixão pelos astros aproxima os dois. Só que para Uchôa, o sol é representa­do pelo pequeno Ramiro.

“Meu bisneto, de três anos e meio, é meu raio de sol. Ele ilumina tudo neste quarto quando chega e sobe em cima de mim, trazendo uma alegria tremenda”, conta o empresário, que, pela primeira vez durante a conversa, deixa o sorriso e chora.

Por outro lado, enquanto o gêniodasde­scobertasd­oUniverso se mantinha a partir do sistema público de saúde britânico, o brasileiro depende do SUS apenas para o fornecimen­to de um dos doze medicament­os diários que toma.

O Riluzol (cerca de R$ 1.000 o frasco), um dos poucos remédios específico­s indicados para a ELA, ele recebe em casa, por força de uma decisão judicial.

O restante da estrutura de UTI de que dispõe —que conta com duplicidad­e de equipament­os para casos de falhas— é do próprio bolso ou tem custo arcado por um plano de saúde, também obrigado por força da Justiça.

Segundo Jorge Abdalla, presidente da Associação Pró-Cura da ELA, são poucos os brasileiro­s com a doença, estimados em 14 mil, que contam com estrutura adequada para viver bem.

“O paciente do SUS espera meses para conseguir o bipap (respirador mecânico), mesmo tendo uma portaria que obriga o estado a fornecê-lo. Muitos só conseguem com liminar. Durante a espera, a associação tenta ajudar. Emprestamo­s mais de 40 equipament­os”, afirma.

Ele cita também a dificuldad­e de recebiment­o, em dia, do Riluzol, e de acesso a equipament­os básicos para a vida do paciente, como o que facilita a retirada de secreção do pulmão. A falta de assistênci­a de fisioterap­euta, fonoaudiól­ogo, terapeuta ocupaciona­l, nutricioni­sta e psicólogo também é queixa.

O Ministério da Saúde informou que está investindo R$ 2,3 milhões em pesquisas científica­s em busca de avanços contra a doença, que é incurável, rara, autoimune e de origem genética.

Oórgãodizq­ueoferecep­ráticas integrativ­as e complement­ares, como cuidados paliativos terapêutic­os, o que ajuda na promoção, prevenção e tratamento de doenças crônicas ou raras, como ELA.

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O empresário Carlos Eduardo Uchôa Fagundes, 79, que tem esclerose lateral amiotrófic­a, diagnostic­ada há 12 anos

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