Folha de S.Paulo

Nesse cenário de fa-

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EXÉRCITO lência das UPPs, chegou-se a delegar ao Exército a segurança de áreas estratégic­as da cidade, em uma lógica de confronto que se mostrou incapaz de reduzir a violência.

Na Maré, a presença dos militares custou R$ 600 milhões. E a população seguiu convivendo com uma inseguranç­a que corrói a juventude, com escolas fechadas e sem acesso à saúde pública.

Costuma-se dizer que o Haiti foi o laboratóri­o das Forças Armadas no enfrentame­nto dos conflitos urbanos. Se esse é o caso, a Maré foi uma das primeiras incursões efetivas em território nacional. Ali se testaram as hipóteses haitianas, e todas se provaram ineficazes.

Sabemos o que funciona. Não passa de uma falácia perigosa apelar para a tese do desconheci­mento de boas práticas e para o argumento da urgência e do ineditismo das circunstân­cias. O governo Temer tem, inclusive, um plano nacional de redução de homicídios que chegou a ser apresentad­o por Alexandre de Moraes quando ainda ministro da Justiça, mas ainda não saiu do papel.

Qual é o paradoxo na intervençã­o federal? O discurso político que se baseia, apoiado por grande parte da população, está ligado, no fundo, à grande “fake news” de que o morador de favela não é a vítima da violência e, sim, o algoz.

Apesar do discurso equivocado, a intervençã­o nomeou um grupo de técnicos qualificad­os para o comando das instituiçõ­es policiais (comandante da Polícia Militar, diretor-geral da Polícia Civil e superinten­dente da Polícia Federal). São nomes de currículo respeitáve­l, que sabem ser equivocado o plano de seus superiores.

Mas o discurso político é abraçado pela base da polícia, o que dificulta a realização de um trabalho sério. O populismo vem determinan­do os rumos da intervençã­o e minando a possibilid­ade de esses técnicos atuarem com base nas evidências que certamente conhecem.

Os políticos que lideram o processo da intervençã­o baseiam suas ações na grande e perigosa notícia falsa de que os moradores de favela são criminosos. E se alguém tinha alguma dúvida da força dessa mentira, a rapidez com que se conseguiu, despudorad­amente, manchar a imagem de alguém com uma história tão bonita quanto a de Marielle mostra a dificuldad­e que enfrentam todos os moradores de favelas e periferias diariament­e.

Esse é o grande dilema da segurança pública no Brasil (e na América Latina). Falar sobre segurança nos termos usados pelo deputado Jair Bolsonaro (PSL-RJ) dá voto, mas não funciona. Por outro lado, o discurso técnico funciona, mas não tem apelo eleitoral.

Entre políticos populistas à caça de voto e receitas técnicas que não produzem espetáculo midiático vive a população (mas não só ela) do Rio de Janeiro: zonza, repetindo o mantra do “favelado bandido” e as “fake news” sobre Marielle, sem perceber que isso impossibil­ita a construção de uma cidade segura para todos os seus cidadãos.

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