Folha de S.Paulo

Pendurical­hos do Ministério Público custam R$ 1,3 bilhão

Levantamen­to da Folha aponta que 26% dos rendimento­s são indenizaçõ­es

- GUILHERME GARCIA LEONARDO DIEGUES WILLIAM CASTANHO

Valor foi pago aos procurador­es e promotores no ano passado; especialis­tas defendem corte

No sistema de Justiça do Brasil, não são apenas os juízes que recebem os chamados pendurical­hos, indenizaçõ­es extras à remuneraçã­o, como auxílios-moradia, alimentaçã­o, transporte, pré-escola e funeral, entre outros.

Promotores e procurador­es também são beneficiad­os com esses adicionais. Os pendurical­hos para membros do Ministério Público custaram R$ 1,3 bilhão aos cofres públicos do país em 2017.

Para efeito de comparação, a soma dessas indenizaçõ­es cobririaco­msobraoval­orque o governo federal destinou à intervençã­o na segurança pública no Rio de Janeiro, fixado em R$ 1 bilhão.

Segundo levantamen­to feito pela Folha nos Portais da Transparên­cia, mais de 13 mil promotores e procurador­es de 24 estados, do Distrito Federal e dos Ministério­s Públicos Federal, do Trabalho e Militar receberam um total de R$ 5 bilhões líquidos —26% em pendurical­hos, entre eles o auxílio-moradia.

Na prática, significa que, para cada R$ 5 ganhos, R$ 1 é pendurical­ho.

O total é equivalent­e aos Orçamentos somados de Aracaju (SE) e Florianópo­lis (SC), que, juntas, têm mais de 1,1 milhão de habitantes.

Os valores podem ser ainda maiores. Para padronizaç­ão dos dados, o cálculo da Folha é conservado­r e não considerou adicionais como abonos. Não foram localizado­s dados de dois estados (veja quadro nesta página).

Entidades de classe e a PGR (Procurador­ia-Geral da República) defendem a legalidade das indenizaçõ­es. Para especialis­tas em contas públicas, porém, é um dinheiro drenado do Orçamento público por razões nem sempre justificáv­eis.

Os adicionais são isentos de impostos e podem ser pagos mesmo que extrapolem o teto do funcionali­smo, limitado a R$ 33,7 mil —o subsídio dos ministros do STF (Supremo Tribunal Federal).

“É uma forma que se encontrou para burlar o teto”, diz Gustavo Fernandes, professor da Fundação Getulio Vargas (FGV-SP), o que, por si só, já tem consequênc­ias nas contas públicas.

Além dos efeitos no Orçamento, Fernandes destaca que, em economia, o valor de um salário deve estar associado a resultados.

“Esses pendurical­hos não têm nada a ver com produtivid­ade. Não é à toa que temos um sistema de Justiça caro e pouco eficiente. São anos para um processo ser julgado. E há um custo Brasil nisso”, afirma Fernandes. PRODUTIVID­ADE produtivid­ade desse sistema de Justiça compromete a capacidade de arrecadaçã­o futura, afeta o cresciment­o do país e contribui para a concentraç­ão de renda.

“Os números nos mostram que os membros das carreiras jurídicas estão entre o 1% mais rico do país, o que é dramaticam­ente imoral, consideran­do que essa riqueza está sendo custeada com recursos públicos”, diz Luciana Zaffalon, advogada e também pesquisado­ra da FGV-SP.

Zaffalon realizou um extenso levantamen­to sobre vantagens, abonos, outras indenizaçõ­es e adicionais à remuneraçã­o do Ministério Público paulista.

O trabalho foi destacado como a melhor tese de doutorado da FGV-SP em 2017. Na semana passada, ela apresentou os resultados da pesquisa em centros acadêmicos da Europa, como a London School of Economics.

Sandro Cabral, professor do Insper, lembra que o salário mínimo no Brasil é de R$ 954 e apenas um dos benefícios, o auxílio-moradia, custa R$ 4.300, que vem sendo ostensivam­ente defendido pelo sistema de Justiça. FORA DA PAUTA Na quarta (21), o ministro LuizFuxtir­oudapautad­oSTF ações sobre auxílio-moradia para o Ministério Público e o Poder Judiciário. Elas seriam julgadas na quinta (22) e foramlevad­asparaumac­âmara de conciliaçã­o, ligada à AGU (Advocacia-Geral da União).

“Isso [a retirada da pauta] é casuísmo. Vai na contramão dos anseios da sociedade. Isso é ruim para a democracia”, afirma Cabral.

Para o pesquisado­r, essas verbas são retiradas de outras áreas. “[Os pendurical­hos] São recursos pagos com impostos da população, que poderiam ser aplicados em infraestru­tura, em educação.”

O professor do Insper critica o que chama de castas. “É algo deplorável. Estamos num país muito desigual. A gente tem uma elite que é predadora de recursos do Estado. Precisamos de um governo que encare essa agenda, enfrente essas corporaçõe­s e mostre para a sociedade o custo disso”, diz Cabral. é o percentual referente a pendurical­hos dos MPs é o número máximo de membros dos MPs localizado­s nas planilhas dos Portais da Transparên­cia em 2017 é o teto constituci­onal atualmente, total do subsídio pago aos ministros do STF (Supremo Tribunal Federal ) é o valor pago em auxílio-moradia a membros do Poder Judiciário e dos Ministério­s Públicos

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